The Air and The Temptation #22

     Tiago voltou mais rápido do que queria, deixando o meu corpo habituado à sua companhia. O veneno tão doce das suas palavras encantavam-me com todo o seu propósito e eu não estava a conseguir soltar-me da sua teia. Por mais que lutasse contra o que quer que seja que nós temos, parte de mim também dizia que não fazia mal, que era o caminho certo.  
     Como pensei, aquele almoço não iria ficar por ali. Tiago convidou-me para passear. 
     Passear? Mas o que ele quer de mim, afinal? Um almoço não chega? 
 - Ouve - disse baixinho, mais para mim do que para ele. 
 - E depois podemos ir àquele jardim perto do café e - Tiago sorria com os planos que ia fazendo para a nossa tarde enquanto eu fazia uma cara de enjoada - Luna, - Tiago reparou em mim, olhei para ele - passa-se algo? Estou a falar de mais? - Soltou um sorriso torto e tímido. 
 - Não não... - abanei a cabeça - não é isso. 
 - Então? - perguntou confuso, tentava ler-me, em vão. 
 - Não estou com muita disposição para sair, queria ficar em casa - hesitei -, não te importas pois não - encarei-o. 
 - De modo algum. 
     O silêncio tomou conta de nós até que Persifal miou ao acordar. Peguei nele e coloquei-o no meu colo, no qual ele tinha saído durante o almoço, e ficou acordado desta vez. Pediu festinhas e entrou no modo brincalhão em segundos. Percy começou às voltas na cama e foi ter com Tiago. Ele brincou com Persifal até o pequeno se cansar. Confesso que soltei boas gargalhadas das figuras dos dois, mas algo sempre me avisava para não cair na tentação.  
      Levantei-me e abri as janelas do quarto, o ar estava a sufocar-me e a minha mente a enlouquecer. Só queria paz. 
     O ar percorreu o meu corpo, passou por cada canto e purificou a minha alma, a minha cabeça. Desenrolou cada nó, por segundos, que estava na minha cabeça e senti-me bem, em todos os sentidos. Os largos braços acolhedores do mais refrescante ar acolheram-me e juro que pude ouvir um segue o teu instinto a sair do espaço em que me rodeava. Com isto soube logo, e sem dúvidas, que a minha afinidade com o ar tinha sido criada. Não pude conter-me, soltei um obrigada e mesmo que ainda fosse baixinho Tiago ouviu-me dizer algo. 
- Não, não disse nada - assegurei.
- Acho que o pequeno tem fome - e pegou na bola de pêlo cinzenta. 
 - Vamos à cozinha então - peguei em Persifal e fomos para baixo. 
      Apesar de ter ao meu lado a maior tentação de todas, eu sentia-me bem, senti-me limpa. O meu novo poder, esta minha afinidade com o ar trouxe-me calma e um pouco de paz interior.  
      Persifal avistou a cozinha e saltou dos meus braços para a sua tigela de comida. O pobrezinho já não comia a algum tempo, era normal estar a encher-se de Friskies.  
- Vamos para o alpendre? - Tiago perguntou-me apanhando-me de surpresa. Ele estava na minha casa e no entanto falou comigo como se fosse a convidada. Não reagi mal, mas não me irei esquecer. 
 - Está bem.  
     Enchi-me de orgulho e guiei-lhe o caminho até ao alpendre do jardim. Tiago riu-se. Não liguei. 
     Sentámos-nos no sofá do alpendre e o silêncio, mais um vez, apoderou-se de nós. Eu certamente não iria avançar numa conversa, não podia. E ele... e ele não sei. Calou-se, talvez a pensar num tema, talvez em nada. Mas a sua voz quando falada, apanhou-me de surpresa.  
- Não me disseste que tinhas uma tatuagem - encarou-me. 
- Não perguntas-te - a resposta saiu-me mais fria do que pretendia, mas foi melhor assim.
- Porque a fizeste? - perguntou, curioso.
- A Lua significa muito para mim - menti e disse a verdade ao mesmo tempo. 
- Uma caixinha de segredos, completamente - soltou um riso e desviou o olhar. 
- Estavas à espera que te desse a minha informação toda de maneira fácil? 
- Não. Claro que não - encarou-me de novo. - Mas - hesitou - não esperava que fosses tão reservada. 
- Bem, acabámos de nos conhecer. Acho normal. - Tiago encolheu os ombros. - Tu propriamente - continuei - não és um livro aberto. Não sei nada de ti. Apenas sei que cozinhas bem. 
     Tiago sorriu - O que queres saber? 
- O que quiseres contar - encostei-me ao sofá e fiquei a observá-lo. O seu corpo estava inclinado para baixo com os cotovelos nas calças de ganga cinzenta escura e os dedos entrelaçados. 
- Bem, não há muito que dizer - olhei-o atenta, fitou-me e sorriu - Gosto de cozinhar, de desporto. Sou preguiçoso, durmo muito, sou desarrumado, - fez uma pausa a tentar lembrar-se de algo mais - gosto de raparigas com cabelo preto e olhos claros com tatuagens na nuca - ri-me e ele continuou com o seu típico sorriso - e pronto. 
- Acredito em tudo. 
- Claro que acreditas - encostou-se às costas do sofá.
      Ficou sentado de frente mas os seus olhos estavam postos em mim. 
- Juro. Não duvido de nada. É bem difícil não gostar de raparigas com cabelo preto, olhos claros e com tatuagens na nuca - gozei. 
- Deveras - continuou ele, a brincar. Ri-me. - Tens um riso encantador, sabias?
     Assenti.
     Tiago riu-se e virou a cabeça para a frente.
- O que foi?
- Nada. É só que - hesitou à procura das palavras certas - és diferente sabes? - encolheu os ombros - Não sei. Há algo em ti. Como se guardasses o maior segredo do mundo e por causa disso és um mistério.
      Tiago encarou-me e olhou para lá dos meus olhos. Arrepiei-me por ele ter conseguido ler-me tão bem. Eu guardava um segredo e por isso era um mistério. Sim. Um segredo enorme para falar a verdade. Desviei o meu olhar do dele antes que fosse tarde de mais, encarei as minhas mãos um pouco suadas do nervosismo e tentei encontrar uma resposta razoável algures na minha cabeça. Tiago falou mais cedo do que eu queria.
 - Não precisas de dizer nada, eu percebo - colocou o seu dedo no meu queixo de maneira a fazer-me encará-lo - Eu não preciso de saber - sorriu e largou-me. Virou-se para frente de novo como se não soubesse que tinha virado o meu mundo de pernas para o ar. 
      O seu acto inesperado atacou a minha mente como uma flecha. O seu toque foi como um raio de energia e esta agora pulsava por todo o meu corpo. Fazia o meu pequenino coração bater mais depressa do que alguma vez imaginei e queria. No que me fui meter? Devia tê-lo mandado embora quando tive a chance. Se calhar tenho de parar de pensar nisto. Talvez se eu parar de pensar nada aconteça e o meu instinto iria ajudar-me a escolher o caminho mais acertado... Porém, e se Tiago for o caminho certo? Mordi o lábio. Não podia ser. É impossível. Ele não pode saber disto, de mim, de Sol... Sol, o meu único. Onde estará ele? Espero que ele esteja bem, espero que ele volte e não me deixe cair nos braços de alguém que não seja ele. Sol? Consegues sentir-me certo? Volta por favor, volta... Volta o mais depressa que puderes.  

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