The Plan #44



Luna 



     Depois de uma tarde completamente arruinada por uma Pedra Mágica e pela minha visão, obriguei toda a gente a vir comigo jantar fora. Precisávamos de espairecer. Primeiro que Mercúrio colocasse uma camisa foram trinta minutos desperdiçados. Depois, não conseguíamos concordar num restaurante e tivemos de decidir à maneira antiga: pedra, papel ou tesoura. Eu ganhei, com a sorte que tenho, e fomos a um restaurante junto à costa, que foi outra meia hora da casa da avó, onde comemos o melhor do que a comida australiana tem para oferecer - marisco. 
     Já na manhã seguinte, tentámos descobrir quem iria espiar a casa de Tema. E foi uma festa.
- Vou eu. A pedra é de Marte... A Mel era Marte. Portanto vou eu procurar a pedra - dizia o meu pai. 
- Não, vou eu - contradizia Sol. - Sou a Estrela Vital, a responsabilidade, é, portanto, minha.
- Ouçam, eu é que vou. Eu tenho um melhor motivo que vocês todos. - Mercúrio lançou um olhar convencido. - Eu quase matei o Tema com porrada e deixei a Vénus quase sem energia. Logo, vou a casa deles pedir desculpa, peço para ir à casa de banho ou assim, entro no quarto deles e procuro pela tal Pedra. 
- Por mim tudo bem! - exclamei com um sorriso.
     Todos olharam para mim, confusos. 
- Sabes que quase matar o Tema com porrada, não é algo que devas estar orgulhoso certo? - perguntou a avó. - Não é melhor ir contigo? 
- Ela pode ser a distração que precisas - observou Sol. 
- E dessa forma podes procurar pela Pedra à vontade, porque, como agora vocês recuperaram a vossa Ligação, podem avisar um ao outro de como está a situação a cada momento - concluiu o meu pai.
     A avó parecia nem estar a ligar à conversa, barrando calmamente a sua geleia na torrada, como se já soubesse a resposta que Mercúrio atrasava-se em dar. 
- Pronto, tudo bem. Vens comigo - afirmou Mercúrio.
      Ela sorriu e lançou-lhe um olhar que tenho a certeza que só eu reparei. Depois trincou a sua torrada. 
- Então... Vocês vão agora? - perguntei.
- Luna, são oito da manhã. 
- E? Se eu estou acordada eles também podem estar. Aliás, se eles não tiverem acordados, quando vocês aparecerem lá de surpresa e acordá-los, eles vão estar sonolentos, logo nem vão ligar muito a vocês.
     Todos olharam para mim como se não esperassem nada vindo do meu cérebro de manhã.  
- O que foi? - perguntei ofendida. - Eu sei ser esperta a qualquer altura do dia.  
     Sol sorriu e colocou o seu braço à minha volta. A avó concordou com a minha observação, apesar de se sentir incomodada. 
- Acho que a Luna tem razão. Podíamos ir agora. 
- Por mim tudo bem - disse Sol. 
     Mercúrio deu a mão a avó. Ela deu uma última dentada na torrada antes de se ir embora. 
- Então, até já - Mercúrio soltou um sorriso parvo e numa luz alaranjada desapareceu da cozinha com a avó. 
- Bem, agora só nos resta esperar que ele não tenha a maldita Pedra - suspirou Sol. 
- Luna, posso falar contigo? - perguntou-me subitamente o meu pai. 
- Sim. 
- Hum, lá fora - e indicou o jardim com o polegar. 
     Troquei um olhar rápido com Sol e fui com o meu pai. Segui-o até ao jardim curiosa por saber o que ele queria falar comigo. Eu fui direita ao sofá e ele ficou de pé.
- Está tudo bem, pai? 
- Tens visões, Luna? 
      Bem, isto era inevitável.  
- Já vi que tens - ele sorriu ligeiramente. - O teu olhar não engana. 
      Sorri envergonhada.
- Surpresa? - mordi o lábio. 
- Porque não me contaste? 
     Suspirei.
- Porque quando tenho uma visão é demasiado óbvio e eu não queria que vocês me parassem de fazer seja o que for para impedir ou concretizar o que previ na visão. - Fiz uma pausa para poder decifrar o que estava no olhar dele. - Mas não digas nada à avó, por favor. Ela vai ficar chateada comigo e não vai parar de se preocupar sem razão.
     O meu pai ficou a ponderar por momentos e acabou por ceder ao meu pedido.
- Tudo bem, pequena.
     O seu sorriso desapareceu com a mesma velocidade com que apareceu.
- O que viste ontem? Quando o Sol veio à minha procura, ele começou a sentir dores e não conseguia respirar bem. Parecia mesmo muito aflito - o meu pai aproximou-se, colocando-se quase à minha frente, encostado a uma das colunas do alpendre.
- Então foi por isso que ele estava tão mal ontem... - pensei alto. Fitei o meu pai. - Eu não sei bem o que vi. Acho que estávamos à procura da Pedra e o Sol foi derrotado pelo Tema, eu não consegui impedir o ataque... A Vénus também lá estava, desmaiada no chão. E Tema tinha algo brilhante nas mãos. 
- Se esse "algo brilhante" for a Pedra, estamos condenados. -
      O meu pai cruzou os braços, pensativo, tenso. Depois relaxou os ombros, como se uma brisa tivesse passado e levado todos os seus problemas para longe. Passou uma mão pelo cabelo preto, como um céu noturno e sorriu-me. 
- Sabes, um dia irei levar-te a Marte. Seja para encontrar a Pedra ou não. -
     Ele aproximou e sentou-se ao meu lado no sofá. Aconcheguei-me nos braços do meu pai, ouviu-o contar histórias dele com a minha mãe e na maior parte do tempo sonhei acordada com um passado diferente com o que tive, um passado em que tinha os meus pais vivos, juntos, comigo. Assim passei a minha manhã. 



Tema 



     Tema adorava as manhãs. Achava irónico esse gosto pelos raios do seu oponente a incidirem-se contra a janela. Mas, de facto, adorava. 
     Na noite passada, Vénus tinha cozinhado para ele e tinham jantando à luz das velas na enorme varanda da sala, banhados pela Lua. Depois, subiram até ao telhado e ficaram a ver as estrelas até Vénus adormecer com a cabeça em cima do seu ombro. Ele ficou ainda algum tempo no telhado, mesmo depois de Vénus ter caído no sono. O céu límpido era algo que o cativava, como se algo o puxasse até ele. Esse sentimento estava dentro dele desde que se lembra e era um dos principais motivadores para continuar com esta rivalidade entre ele e Sol. Ele queria aquela galáxia, queria ter o poder de dois sóis. 
     Tema mal tinha acordado e decidiu logo levantar-se e ir tomar banho.Vénus estava claramente com um sono de pedra. Mas antes de chegar à porta da casa de banho, Tema ouviu algo da sala. Ele seguiu o barulho e deu de caras com Mercúrio e Mondy. Ele quase que fez aparecer uma esfera de gelo na sua mão, mas deteve-se. Porém, algo em Tema ainda brilhava. 
- O que estão aqui a fazer? Como encontraram a nossa casa?
- Não é muito difícil. Parece um palácio - respondeu Mondy. - Cometeram também o erro de não ocultá-la.
      Ele tomou nota do que Mondy disse, fazendo questão de assim que eles saírem ocultarem a casa dele e de Vénus.
- O que estão aqui a fazer? - repetiu Tema.
- Vim pedir-te desculpas e falar com a Vénus - disse Mercúrio, sem hesitar. Ele não parecia sincero.
- Ela está a dormir - Tema queria despachá-los. 
     Ele pensou que Mercúrio tinham uma grande lata em aparecer na sua casa sem avisar, ou sem ser convidado. E ainda por cima com Mondy ao seu lado. 
- Tema, nós sabemos que é mal educado invadir a tua casa desta forma - afirmou Mondy, com um sorriso acolhedor. 
- Pois, ainda bem que sabem. 
- Então, podemos falar com a minha Irmã? 
     Mercúrio fez-se de surdo só pode, pensou Tema. 
-  A Vénus está a dormir. Vão ter de voltar mais tarde. 
- Não há necessidade, amor - Vénus disse calmamente, sonolenta, enquanto apertava o fino robe de seda pelo corpo.
     Ela e Tema ficaram próximos um do outro, mas não se tocaram. 
- O que queres Mercúrio? Já não chega quase matares o meu Tal e agora apareces na nossa casa sem permissão? - A voz de Vénus passara de calma e serena para irritada e poderosa. Tema queria sorrir, mas conteve-se. 
- Queria pedir-te desculpas, Vénus. Eu agi de cabeça quente... E o Tema não devia ter aparecido  na casa da Mondy, em primeiro lugar. Portanto quanto a isso, estamos quites. 
- Já disseste o que querias, agora podes ir - Tema estava farto daquele teatro. 
- Não, Tema, deixa-me falar com ele - disse-lhe Vénus.
     Tema quase que não cedeu mas não conseguia resistir àqueles olhos de rubi. 
- Tudo bem. Mondy, segue-me.
      Ele começou a caminhar, ficando de costas para todos e reparou que Mondy não o acompanhava.
- Vamos para a cozinha - disse-lhe ele. - Se te matar não vai ser na cozinha. Dá muito trabalho depois limpá-la.
      Todos olharam para ele, incertos se era uma brincadeira ou não.
- Estou a brincar - revirou os olhos e continuou a andar. - Vens? 
- Sim.
      Mondy foi atrás do Tal de Vénus. 
     Tema notou que Mercúrio e Mondy estavam muito mais íntimos do que da última vez que vira cada um deles. Também já não era sem tempo que eles abrissem os olhos. A barreira entre eles era estúpida. 
     Mondy sentou-se e Tema procurou uma caneca para encher de café para lhe dar. 
- Hum, não tens chá? 
- Ah, pois. Claro.
     Ele colocou a caneca cheia de café de lado já farto da companhia deles e do desperdício de tempo e café que tinham causado. Preparou, então, o chá para Mondy e em seguida bebeu o café destinado para ela. 
- Está muito bom, obrigada. 
- De nada. 
     Tema fitou os olhos azuis de Mondy e percebeu que estava a ser um bocado idiota e mal humorado. Afinal de contas, ele tinha-a atacado sem razão há uma semana ou assim. Não foi totalmente sem razão mas o plano correu mal.
- Hum, desculpa por te ter atacado... Foi por impulsão, nada mais. 
- Para a próxima já sabes. Atacas-me, e eu deixo o Mercúrio destruir-te e desta vez, eu ajudo-o. - O tom de voz de Mondy mudara completamente. Nem parecia a mesma pessoa a falar. 
     Tema não respondeu à ameaça dela. Ele não duvidava que, se ele a atacasse de novo, Mercúrio iria estar sobre ele num piscar de olhos, pronto para o destruir. Só que dessa vez Tema iria contra-atacar e quem iria sair destruído não era ele. 
     O silêncio apoderou-se da cozinha e foi quando Vénus apareceu. 
- Está tudo bem? - perguntou Tema.
- Sim. Ele queria pedir-me desculpa por me ter magoado - ela soltou um sorriso rápido e passou o olhar para Mondy. - E tu, como estás? 
     A mulher que outrora fora completamente ameaçadora passou para amável e frágil num piscar de olhos. Mondy era definitivamente a pessoa que ele gostava mais daquela famíliazinha da Lua. 
- Estou sim, Vénus. Obrigada - Mondy sorriu-lhe e colocou uma mão no braço fino de Vénus. - Onde está o teu Irmão? 
- Oh, ele foi à casa de banho - encolheu os ombros. 
     E então Tema viu uma máscara erguer-se no rosto de Mondy. Aquela não era uma visita normal. Mercúrio não viria simplesmente para pedir desculpas. Mondy estava cautelosa, atenta e à espreita... 
    À espreita do quê? O que raio estariam ela e Mercúrio a tramar? Porque é que viriam eles...
     A Pedra... 
- Onde disseste que o Mercúrio foi, Vénus? 
- À casa de banho. Porquê? 
     O seu olhar conheceu o de Mondy por instantes. Ela agora sabia que ele sabia. Provavelmente já tinha avisado o seu Tal pela ligação e não havia chances nenhumas de Tema deixá-lo sair daquela casa com... Tema estava quase a sair da cozinha quando Mondy colocou-se no seu caminho, obrigando-o a acalmar-se, a tomar as medidas certas sem exaltações. Raios! Eles estão à procura da Pedra! 
     Ele sorriu ofegante e num instante mudou o olhar para ameaçador.
- Mondy, deixa-me passar. 
- Não posso. 
- Mondy! - rosnou ele com os dentes cerrados.
- O que se passa aí? - Vénus tirou o rosto do interior do frigorífico e fitou-os.
- Nada, Vénus. Estávamos a falar em como a vossa casa está a ficar muito bem decorada! - Mondy mudara o olhar para amável em milésimos de segundos. 
- Sentem-se. Estou a preparar umas torradas para comermos - fez uma curta pausa enquanto abria uma porta do armário castanho. - Acho que tenho aqui algures o teu doce preferido Mondy - no seu tom de voz, Tema conseguia sentir o sorriso. 
     Ele não podia sentar-se. Mercúrio iria descobrir.... 
- Queres ajuda? - perguntou Mondy, cumprindo o seu papel. - Tema, vê aqui neste armário - acrescentou.
- Vou tomar banho primeiro, está bem? - Tema chegou-se à sua Tal e deu-lhe um beijo na bochecha.
- Não te demores.
     Mondy não conseguiu pará-lo desta vez. Tema ia a caminho do quarto, pronto para dar cabo do plano de Mercúrio e de Mondy.



Mercúrio 



- Primeira parte do plano concluída. Agora só falta descobrir onde raio é que anda a tal Pedra e não ser apanhado - pensou alto.
     Conversar com Vénus não fora fácil. Ele tinha realmente feito asneira. Vénus é a sua Irmã e não merecia o que ele lhe tinha feito. E Mercúrio já se desculpou e Vénus perdoou-o. Felizmente. Gostava mais dela do que qualquer outro Planeta. Não era só pela aparência que eles eram conhecidos como os Gémeos lá em Cima.
     Agora que Mercúrio tinha recuperado a sua Ligação com Mondy, ele sente tudo o que antes eram apenas fragmentos e que neste momento são sensações avassaladoras e concretas. Porém, ele sabia que Mondy não iria deixar passar qualquer emoção pela Ligação deles a não ser que fosse realmente necessária. 
     Mercúrio seguiu pelo corredor que Vénus indicou e abriu cada porta à procura do quarto que o casal partilha. Assim que o encontrou, foi cego pela luz que saia da enorme janela do quarto deles. Ato involuntário, Mercúrio colocou logo o antebraço à frente do rosto para poder ver claramente. Fechou uma cortina e logo a luz diminuiu. Com a visão recuperada, ele começou a procurar em tudo o que era canto, até que as emoções assolaram-o. Mercúrio sentiu uma preocupação e um medo dentro si que não lhe pertenciam. Mondy. Tema estaria decerto desconfiado e não tardaria nada até vir atrás dele. Despachou-se a procurar mas não encontrava nada. E não fazia ideia onde poderia encontrar. 
     Um voz dentro dele ecoou: Tens de sair daí. Tema está atrás de ti, ele percebeu tudo! Sai daí!
     Antes que Mercúrio pudesse raciocinar o que iria fazer, deixou os seus olhos tornaram-se no vermelho mais brilhante e estendeu os braços para os lados. Uma luz vermelha tomou posse do quarto de Vénus e Tema. Na sua mente, Mercúrio procurava a Pedra pela casa inteira com aquela luz vermelha que percorria cada canto da casa da sua Irmã como uma visão raio x. No fundo, ele procurava sentir uma parte da sua filha nesta casa. E nada. Não sentiu absolutamente nada nem viu nada.
     Ele voltou ao estado normal mesmo a tempo de fingir que estava a sair da casa de banho, de modo a enganar Tema apesar deste saber exatamente do que eles vieram ali fazer. Usou o sorriso despreocupado e relaxou os ombros ou qualquer tensão que podia pairar em cima de si. 
- Mercúrio? 
- Estou já a sair. 
- A Mondy está a perguntar por ti - disse Tema desconfiado. 
- Já estou a ir - ele mostrou o tal sorriso despreocupado e perfeito para esconder o que quer que ele estivesse a sentir realmente.  

     Mercúrio saiu do quarto e pelo canto do olho conseguiu reparar que Tema percorria cada canto do quarto com um olhar rápido. Decerto que seria para verificar se Mercúrio tinha ou não mexido em algo.
     Quando chegou perto de Mondy, conseguiu respirar fundo mas a tensão entre ele e Tema era enorme. No entanto, aproveitou a chance que tinha para lhe pedir desculpas. Não que ele sentisse verdadeiramente as desculpas, se o tivesse matado toda esta situação nem estaria a acontecer, mas pedia-as na mesma porque magoou outras pessoas no processo como a Mondy e a sua Irmã.
- Eu percebo-te muito bem. Não tens de pedir desculpas. Aliás, eu mereci.
     Ele tirou o olhar desconfiado do rosto e colocou um amigável. Agora fora Mercúrio que ficara desconfiado. Porém, sorriu, despediu-se dele e da sua Irmã, e voltou para casa com Mondy nos braços por uma luz alaranjada. 

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