Underneath #2

     O fim de semana passara a voar. Troy acordara mais tarde que o costume. O relógio marcou as sete e meia e ele ainda estava a dormitar na cama. Como os seus pais já se tinham habituado a que ele madrugasse para ir surfar, não o chamaram para tomar o pequeno-almoço. Qual foi o espanto dele quando abriu os olhos por meros segundos e viu as horas. 
    O corte na sua perna já não doía tanto mas andar ainda era uma acção bem dolorosa para Troy. Com alguma dificuldade, vestiu uns calções de ganga, uma t-shirt de alças e um cardigan, calçou umas meias e os ténis. Lavou os dentes e a cara, pegou na mochila e enquanto caminhava para a cozinha, rezou para que alguém ainda estivesse em casa. Não queria nada andar de bicicleta para a escola com a perna naquele estado. 
- O que estás ainda aqui a fazer? - perguntou o seu pai do outro lado da cozinha. 
- Bom dia para ti também - resmungou. O seu pai continuava a pedir uma resposta - Bem, adormeci. Podes levar-me? Acho que não consigo andar de bicicleta - pediu, sem fitá-lo. 
     O ambiente entre ele e o seu pai estava muito pesado. Eles tiveram aquela discussão e mais tarde, na noite do Campeonato, ainda tiveram outra. No entanto, Troy sabia que merecia aquele sermão. Agiu estupidamente, nem pensou nas consequências que ele aerial poderia trazer. Não o culpava por estar chateado, mas ele tinha de parar de ser tão protector, rígido, frio.
- Tudo bem, vou para o carro. Não te demores. 
     Troy fez umas sandes muito rapidamente e pegou num iogurte natural para comer durante o caminho. (De manhã, ele tinha sempre imensa fome.) O caminho para a escola foi bastante estranho e silencioso. Com o passar do tempo, Troy começava a perder a esperança de recuperar a relação que outrora teve com ele. Antes os dois eram inseparáveis e agora se disserem bom dia ou boa noite um ao outro é de espantar. Ele já nem tentava espreitar por detrás daquela armadura de ferro que o seu pai carregava todos os dias. A sua mãe detestava vê-los assim e ela é a ponte que ainda os une de alguma forma. 
     Depois de chegar à escola, Troy foi bombardeado por conhecidos da turma e pela equipa de surf da escola, sobre o que aconteceu no campeonato. Ele não se importava de falar com nenhum deles, mas estavam literalmente vinte miúdos à sua volta, todos a falarem ao mesmo tempo. Ele ficou tão atordoado, mal conseguiu responder às pessoas até que apareceu Catarina. 
- Oi! - gritou e todos se calaram. - Qual é a parte do ele aleijou-se na perna e não venceu o campeonato que vos escapou? Precisam de saber mais alguma coisa? O corredor para as aulas é daquele lado - e apontou por cima deles. Rapidamente começaram a afastar-se. 
- Obrigado, Cat. Estava a ver que não me conseguia livrar daquele bando de chatos - ele colocou o braço à volta dos ombros dela. 
- Nada como uma boa gritaria pela manhã - ela sorriu.
     Eles beijaram-se e o curto momento intimo deles foi interrompido por Ryan. 
- Hum, bom dia? 
     Catarina olhou para o rapaz à sua frente e sabia que o conhecia de algum lado. E então, apercebeu-se quem ele era.
- Ryan?
- Em carne e osso - respondeu ele a sorrir.
     A Catarina estava a abraçá-lo com tanta força que ele mal conseguia falar. 
- Olá, Cat. 
- Tu desapareceste, Ryan! - exclamou e de se seguida empurrou-o com a mão. 
- E já começou com as palmadas - refilou Ryan a sorrir. 
     Troy não conteve o sorriso. Ver Catarina e Ryan a "discutir" como antigamente só o fez rir. Eles sempre chocaram um com um outro, mas também sempre foram como irmãos. Os três voltaram a estar juntos como nos velhos tempos e isso o deixava mesmo feliz. 
     Troy voltou a colocar o braço à volta de Catarina e Ryan ficou a olhar para eles, a analisá-los. 
- O que foi agora, Bennett?
- Estou só a perguntar-me como isto - e apontou para eles os dois - aconteceu? 
- Desapareceste por muito tempo, Ryan - Troy respondeu. - Muita coisa aconteceu. 
- Habitua-te - afirmou Catarina. 
- Prefiro comer lesmas - Ryan encolheu os ombros.
- Bennett, deixa-me dizer uma cois-
     Troy colocou um dedo nos lábios dela.
- Não tens de ir à sala de artes antes de ires para a primeira aula? 
- Pronto, tudo bem - ela beijou-o e antes de se ir embora, virou-se para o Ryan - para a próxima não escapas, Ryan. Temos muito que falar! Vejo-vos no próximo intervalo.
     Os dois viram-na a ir para a sala de artes. Depois Troy reparou que muitas pessoas estavam a olhar para o Ryan.
- O que fazes cá na escola a esta altura do ano, Bennett?
     Ryan virou-se para ele.
- Decidi fazer os exames com esta escola. Finalmente arranjei coragem para voltar a aparecer - admitiu. 
     Troy assentiu, percebendo pela primeira vez que algo grave tinha acontecido para os Bennett abandonarem Crystal Waters como fizeram. Quer dizer, ele sempre soube que tinha sido algo sério, mas pelo tom do Ryan, algo muito mau aconteceu durante aqueles seis anos.
- E estás no meu ano?
- Estou - respondeu. - Bem como na tua turma.
     Troy sorriu e deu-lhe uma palmada nas costas.
- Deixa-me mostrar-te as facilidades então, Sr. Bennett. 
     Os rapazes estavam a andar pelo corredor, em direção à sala de aula, quando Troy viu a rapariga do dia do campeonato. Os olhos dela completamente iluminados pela luz do sol da manhã, um âmbar brilhante com traços distintos de azul. O seu cabelo era castanho avermelhado, longo e ondulado, com a franja presa atrás. Os seus olhares conheceram-se por um segundo apenas, o suficiente para ele saber que sentia-se atraído por ela, mas não somente pela beleza que ela possuía. Lentamente, ele Troy estava a tentar arranjar coragem para ir falar com ela, mas Ryan chamou-o para a realidade. 
- Troy? - disse a prolongar a palavra. - Evans! 
- Hum, sim? - ele murmurou ainda a fitar a rapariga. 
- Evans, estás a olhar para onde? 
- O quê? Hum? - Troy fitou-o. 
- Estás a olhar para onde? 
- Uma rapariga... No fundo do corredor - Troy apontou para o fundo do corredor e a rapariga tinha desaparecido. - Ela estava mesmo ali....  
- O que me preocupa é não estares a lembrar-te com quem namoras. 
- O quê? Não! Eu não estava... Não dessa maneira, Ryan.
- Não pareceu - retorquiu ele.
- Oh, cala-te - ele refilou. - Vamos para a aula.
     As palavras de Ryan ecoaram na cabeça dele durante horas. Passou as aulas inteiras a matutar sobre o que ele disse. E ele tinha razão. Troy não estava só a olhar para ela, ele sentia-se atraído por ela como se algo estranho, algo intenso o puxasse para ela. Mas isso não podia continuar. Mesmo que ela o faça lembrar da mulher com quem ele sonhou enquanto se afogava não quer dizer nada. Tanto quanto sabe, podia estar a alucinar. Só que aquele nome, Tema... Ele tinha a certeza que já tinha ouvido esse nome antes. Se ele conseguisse lembrar-se quando... Mas se ele não se lembrava. Talvez fosse melhor continuar assim. Talvez. Ou talvez não. 

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