Underneath #13

     Assim que os dois saíram, Luna chegara a casa. Viu-os no caminho e disse-lhes olá. A presença daquele rapaz era amarga e não o queria perto das suas filhas. Por muito que ele não fosse Tema.
- Violet? Melody? Estou em casa - chamou do hall. - Trouxe o almoço. 
     Elas deram-lhe um beijinho e carregaram os sacos que a mãe trazia para a cozinha. Estavam loucas para almoçar mas também para que a mãe deixasse escapar alguma informação sem querer. O que acontecia de vez em quando se elas estivessem atentas o suficiente.  
- A visita foi boa? 
- Sim. 
- Nós já tínhamos ido àquele museu antes. Tinha algumas coisas novas, mas nada de mais - respondeu Melody. 
- Acho que há uma exposição nova num museu da cidade. Depois combinamos com o vosso pai e vamos. Que tal? 
- Parece-me bem - disse Violet a comer uma batata frita. 
- O que estava o Troy e o amigo a fazerem aqui? - inquiriu a buscar os pratos. 
     As gémeas entre-olharam-se. Não sabiam ao certo o que lhe responder. Se dissessem que ele teve outro sonho, quase se matou e estava prestes a contar a história toda ao Ryan eram capazes de ficar de castigo para o resto da vida. Já bastava elas estarem curiosas com a história dele e até mesmo falar-lhe que era motivo suficiente para  a mãe querer trancá-las no quarto. 
- Eu liguei-lhes. -
     Luna fitou a sua filha, surpreendida.
- Eles não foram à visita. E queriam os nossos apontamentos. 
- Só isso? 
- Sim. Só isso - assegurou Melody. 
- Então e aquele jornal que desapareceu da minha gaveta, que por acaso estava trancada? 
- Qual jornal? - perguntaram ambas, sem saber do que se tratava aquela pergunta.
     A mãe sorriu. 
- Oh, nada. Vamos almoçar?


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     Mais tarde, quando foram para a escola ter as duas últimas aulas do dia, as gémeas encontraram-se com Troy. 
- Ela está a testar-nos, Troy. 
- Não vai ser fácil tirar-lhes informação. A qualquer um dos nossos pais. 
- E agora? Eu não sei se vos posso ajudar com isso. Principalmente com o Ryan colado a mim vendo se eu fumo ou não. 
     As gémeas riram-se. 
- Qual a piada? Queria ver se vos acontecesse o mesmo. Ainda por cima com um gémeo. 
- Tenho uma ideia - Violet confessou.
     A sua gémea e Troy ficaram quietos a olhar para ela. 
- Ora, vais dizer-nos ou não?
     Violet estava nervosa. Era uma ideia arriscada. Passou a mão pelo cabelo prendendo-o atrás da orelha e disse finalmente:
- Acho que devemos ir aos nossos planetas - Melody ficou perplexa a olhar para ela. - É a melhor maneira de obter-mos informação - justificou-se.
- Violet, estás louca? Nós não temos a maioridade ainda.
- E qual é o problema? Temos mais poder do que imaginamos. Os nossos próprios pais o dizem. Somos Planetas. Devia contar para alguma coisa, não? - Violet lançou um olhar a Troy para ajudá-la. Melody não ia ceder a esta facilmente.
- Melody, acompanha-me - começou Troy. - Se vocês e o planeta são um só, não deve ser difícil viajar até ele. Principalmente porque vocês nasceram com os poderes necessários para isso. Vocês sabem o que têm convosco. Não é como eu. Ou até a tua mãe.
- Aliás, onde iremos nós arranjar informações a não ser nos arquivos dos nossos planetas? Ambas sabemos que as nossas antecessoras estavam envolvidas nisto - Violet reforçou.
- Não sei. Tenho de pensar melhor nisto.
- O que há mais para pensar? Vá lá. Não temos nada a perder!
- Só a nossa vida e liberdade - refilou. Melody ficou a matutar por pouco tempo e disse finalmente - Se os pais descobrirem a culpa vai toda para ti - Vi abraçou-a.
- Eles não vão - afastou-se dela. - Temos é de escolher um lugar seguro para nos tele-transportarmos.
     As gémeas encararam Troy.
- O que foi?
- Podemos fazê-lo na tua casa?
     Ele ia dizer-lhes uma desculpa qualquer, inventar uma situação constrangedora, mas ao olhar para os olhos cor de âmbar-azulado das gémeas fez com que ele desistisse dessa estúpida ideia. Troy devia-lhes muito mesmo conhecendo-as há uma semana. Ele suspirou.
- Tudo bem. Quando?
- Hoje - respondeu Melody.
- Ah... Hoje não posso. - Elas ficaram um pouco desiludidas. - A não ser que se esgueirem de casa depois das seis.
- Combinado - disseram as duas ao mesmo tempo.


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     Quando deu o último toque anunciando o final das aulas, Troy seguiu de mãos dadas com Catarina para a gruta. Ele tinha saudades dela. Do seu beijo e do conforto que trazia. O pôr do sol aquecia a pele morena dela tornando-a suave, como uma brisa de verão. Ele estava tão entretido a percorrer com o dedo o braço dela que não reparou no olhar de Catarina posto nele, ou que ela estava nervosa. Só se deu conta quando ficou com pele de galinha. Os seus olhares encontraram-se.
- Passa-se alguma coisa? 
- Não - Catarina fingiu animar-se. 
     Troy tocou-lhe na face. 
- Eu sei perfeitamente quando estás a mentir, Cat. Diz-me o que se passa. 
- Não é nada de mais. Foi só um sonho. Um sonho esquisito.
- Conta-me. 
- Mais como um pesadelo, realmente. - Ela respirou fundo. - Bem, o sonho começou bem. Estávamos os dois juntos, na gruta. O sol deitava-se no mar. Exactamente como agora. Nós estávamos bem e eu vi uma mancha preta avançar pela gruta. Movimentava-se pelas paredes rochosas e tinha um único alvo. Tu. - Os olhos de Troy arregalaram-se um pouco. Poderia isto ser obra do Saeva? - Eu tentei colocar-me à tua frente, impedindo o ataque da mancha mas não consegui. Tu foste atingido e tornaste-te em cinzas ambulantes. Um homem com os olhos tão negros como a noite à mercê do monstro. - Troy abraçou-a. Os dois tinham as mãos trémulas. Ele queria dizer algo mas tinha a voz presa na garganta. - O pior de tudo nem foi o sonho. Foi quando acordei. Parecia que tinha sido esfaqueada nas costas. E estou com essa culpa de não ter conseguido salvar-te nos ombros. Parecia mesmo real, Troy. 
- Catarina, foi só um sonho. Não vais perder-me. Tira essa culpa de cima dos ombros - Troy conseguiu dizer, agarrando a face dela com as mãos. - Foi só um sonho, está bem? 
- Tens a certeza? 
- Claro, Cat. Absoluta - ele beijou-lhe a testa e ficou a repousar nela por um pouco. Ficaram assim por um momento certificando-se que nada tinha realmente acontecido. 
     Catarina beijou-lhe suavemente e nenhum dos dois queria acabar aquele beijo. 
- Tenho de ir. Vemos-nos amanhã? 
- Toma o pequeno-almoço comigo - pediu. - Os meus pais vão sair super cedo por causa da nova mercadoria do bar. 
- Está bem - sorriu. - Até amanhã, então - beijou-lhe de novo. 
     Catarina saiu da gruta levando com ela toda a segurança que emanava. Troy sentiu-se nu e desprotegido, incapaz e fraco. Saeva não via meios para atingir o seu fim e cada vez mais pensava que não era capaz de fazer isto. Um sonho. Um único sonho já conseguiu interferir com a mente da Catarina. O que aconteceria se ela visse o seu namorado a lutar contra a tal mancha preta? Ou até a tornar-se um com a Escuridão? E só o facto dela confirmar o seu sacrifício por ele o fez ficar com tonturas. 
     Troy envolveu a cabeça entre os braços com os joelhos junto ao peito. Estava a ficar com outra dor de cabeça. O telemóvel deu sinal de uma mensagem nova. Era de um número que ele não reconhecia. A mensagem dizia «Liga-me». Ele assim o fez. 
- Estou? 
- Troy? Estou a sair da equitação. Daqui a quinze minutos estamos em tua casa. 
- Melody... Hum, está bem mas como tens o meu número?  
- Ryan "Malcriado Estúpido E Mimado" Bennett deu-mo. Foi um sacrifício falar com ele... - Troy sorriu. - Até já - e desligou.  


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- Melody! Tira essas botas todas cheias de terra da carpete. Pelo amor de Deus. 
- Culpa o teu melhor amigo que fez questão de me sujá-las com o seu carrinho Porsche. Juro que não percebo como vocês se dão.
- Pronto, pronto. Troy, não tens uns chinelos a mais ou assim? 
- Sim, vou buscá-los - e saiu da sala de estar. Chegou uns segundos mais tarde. - Toma - e entregou-lhe uns chinelos com pandas. Melody fez-lhe uma careta. - É isso ou andas descalça. Tu é que sabes. 
- Como se tivesse escolha, não é? 
- Então, Violet, como é que vocês vão lá para Cima? 
- Como tu e o meu pai foram. Melody, despacha-te. 
- Já vou, calma. Podemos ir para o jardim? - perguntou a tirar uma bota e a tentar limpar a carpete.
- Claro. 
     Melody tirou as botas no alpendre e calçou os chinelos. Troy sentou-se num banco de madeira e viu-as desaparecer numa luz mística para o Universo de mãos dadas. Olhou para o relógio do telemóvel e este marcava as seis e vinte. Daqui a uma hora os pais dele chegavam e ele só esperava que essa hora fosse suficiente para elas.
   

◄◊►



     As gémeas, como era a primeira vez que se tele-transportavam, estavam imensamente nervosas. Era uma coisa que não podiam fazer, como habitualmente, juntas. Cada uma tinha o seu planeta, a sua alma, o seu poder e ligá-los iria interferir com o processo. Principalmente sendo este o primeiro de muitos.
     Para a Melody, o último olhar que deu à seu gémea deu-lhe confiança para subir até ao seu planeta. Ela respirou fundo, concentrou-se e ligou-se a Marte. Essa ligação emergiu numa linda luz laranja que rodopiou à volta dela e a fez voar até ao infinito mar de estrelas.
     Para a Violet, a conexão que tinha com o seu planeta foi quase imediata. Ela pensou nele, na luz que ele irradia e o quanto queria lá estar e a luz branca do seu poder brilhou à sua volta. A luz tornou-se mais e mais forte e finalmente a elevou para o céu até ao espaço.
     As duas seguiram o caminho lado a lado até que perfuraram as camadas da Terra separando-se uma da outra pela primeira vez. Nenhuma sabia se era uma coisa boa ou não, mas ao ver o planeta em que pertenciam fez apagar qualquer dúvida que tinham.
     Violet chegou a Vénus e deparou-se com um vasto campo de nuvens com a cor da alvorada. Tinha aterrado numa torre altíssima composta por areia endurecida. Ela desceu pelas escadas da torre, em busca duma saída, e deparou-se com portas em todo o redor da torre. Todas elas diferente e únicas, todas elas davam entrada a local diferente em Vénus. A pergunta que pairava no ar era: Qual destas portas seria a certa a escolher? Violet suspirou, já a sentir-se como um pássaro numa gaiola com a saída mesmo à sua frente, mas tão longe e tão intangível.
- Onde estás tu quando mais preciso de ti, Mel? - murmurou ao morder o interior do lábio.

     Melody não sabia o que esperar do seu planeta apesar de já ter lido várias coisas acerca dele. Os planetas são diferentes aos olhos de um ser mágico. Portanto, quando aterrou no chão arenoso, desejou ter deixado as botas calçadas. Ela começou a andar e deparou-se com um remoinho de areia que a envolveu por espelhos de todos os tamanhos e feitios num círculo. Ela olhou para cima e viu a cabeça do remoinho baixar-se muito, muito lentamente. As paredes feitas de areia a rodopiarem com tanta força e velocidade que a deixavam tonta de olhar. Ela olhou para a frente e viu o seu reflexo. Um exagero da sua imagem que ela naquele momento não conseguia perceber. O rosto amedrontado e horrorizado naquele espelho conseguiu quebrar a atitude de Melody. Ao olhar em volta, o mesmo rosto estava pintado naqueles espelhos. Um por um mostrava, o que Melody pensava ser, o rosto dela. Ela ficou ajoelhada no chão a pensar numa resposta lógica, de algo que tinha lido. Todas as teorias passavam em frente dos seus olhos. Até tentou parti-los com os seus poderes. Mas os espelhos traduziam os seus medos e aquele rosto só ficava mais horrendo. Ela levantou-se e tirou o cabelo da cara. As suas palmas das mãos encaravam aqueles espelhos prontas para os atacar. Ela não tinha nada que temer, certo? Mas esse pensamento de coragem não foi suficiente. Os círculo de espelhos tornou-se mais apertado e os vidros que detinham aquele rosto nojento aumentaram em altura formando uma espécie de cone. Ela pensou estar a enlouquecer quando ouviu risos vir daquele rosto. Mas não estava. Com os braços trémulos e apontados para qualquer espelho que emitisse um som, Melody engoliu em seco e murmurou baixinho:
- Vi, ajuda-me. 

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