Underneath: Silver #22

     Ele acordou pensando que o dia de ontem tinha sido um sonho louco. Contudo, assim que pôs os olhos em Anora, deu-se conta da realidade. Levantou-se bruscamente e foi atingindo por uma dor terrível que o colocou tonto por alguns momentos. O corte que tinha nas costas ainda lhe doía muito, apesar de ter tratado dela depois do banquete e depois do banho. Não sentiu dores enquanto dormia, talvez por estar demasiado cansado ou pela maravilha que era a pomada dada por Silver. Talvez as duas. 
     Ryan levantou-se com cuidado e viu o melhor amigo de pijama. Assumiu que ele devia ter ido dormir tarde depois de ter adormecido cedo de mais. Não quisera acordá-lo no momento. Troy merecia algum descanso depois da loucura no jardim das gémeas. Todos eles mereciam um descanso depois da loucura no jardim das gémeas. Mas, afinal, o que tinha realmente acontecido lá? Como é que aquela criatura surgiu? Porque é que Melody ficou tão assustada?
     Ryan dirigiu-se para a casa de banho. Estava tão distraído a tentar unir os acontecimentos no jardim que não viu Melody a ir contra ele. Ela parecia muito cansada.
- Bom dia - disse ele. Melody não lhe respondeu e encaminhou-se para o quarto dela. - Tão simpática logo de manhã - murmurou depois de ver a porta do quarto fechar-se. 
     Entrou na casa de banho e lavou o rosto. Queria muito tomar um banho mas não tinha roupa lavada. A sua t-shirt tinha um rasgão na parte das costas, os calções estavam molhados. A única coisa usável que tinha era os calções de pijama que tinha vestido e a t-shirt a condizer que acabou por não dar uso devido à ferida nas costas. Ryan só esperava que não desse uma cicatriz porque se desse tinha muito que explicar aos seus pais...
     Os pais. O que lhes iria dizer sobre ter desaparecido da Terra? Literalmente. Passou quase um dia desde a última vez que eles o viram. Os pais eram capazes de pedir ao FBI uma equipa especial se pensassem que ele tinha sido raptado ou algo de mal lhe tivesse acontecido. Só de pensar nisso sentia-se mal. Não queria causar mais complicações e tristezas aos pais. Eles não mereciam.  
     Não queria acordar Troy mas tinha de o fazer. Ele tinha de voltar pelo menos para avisar os pais que estava tudo bem. 
- Troy - chamou baixinho. - Evans - murmurou. - Troy nem se mexia. Ryan decidiu berrar. - EVANS. 
- Que bicho te mordeu, Bennett? É de madrugada, vai dormir - disse, e puxou os lençóis para cima. 
- É importante. O que fazemos em relação aos nossos pais? Não podemos simplesmente desaparecer. 
     Troy não lhe respondeu de imediato e ficou parado no lugar. Depois bocejou e ficou com um olhar muito sério. Finalmente sentou-se.
- Eu falei com a Silver sobre isso e...
- Quando é que falaste com a Silver? Tu adormeceste assim que chegaste ao quarto. 
- Acordei a meio da noite e fui tomar banho. Quando voltei ela estava à minha espera para falarmos. Eu disse-lhe que não podíamos ficar e ela - Troy pausou e corou ligeiramente.  
- Evans? 
- Ela disse que íamos falar sobre isso hoje - concluiu. 
- Está tudo bem? 
- Claro - disse. Aclarou a garganta. - A tua ferida melhorou? 
- Sim. Depois de dormires a Silver mexeu uns cordelinhos e melhorou um pouco a ferida. Mas ainda dói um pouco. Talvez peça à Violet para fazer aqui uma magia qualquer de maneira a não ficar com uma cicatriz. 
- Se ficasses com uma cicatriz estavas tão morto - Troy riu-se. 
- Mais valia nem aparecer em casa, sinceramente. 
- Meninos - disse Silver da porta. Nenhum dos dois a ouviu entrar. - O pequeno-almoço está pronto. Desçam quando quiserem. 
- Estou esfomeado - disse Ryan. - Vens, Evans? 
- Vou atrás de ti - disse Troy, a temer o comportamento da Silver.

     Eles desceram uma pequena escadaria e viraram à esquerda, abrindo umas portas altas e esbeltas que davam para a sala onde eles iam tomar o pequeno-almoço. As gémeas e Catarina já estavam na mesa. Troy sentou-se ao lado de Catarina e Ryan ao lado de Violet, à frente de Troy. Começaram a comer e Silver apareceu. Parecia deslizar no vestido prateado. O cabelo liso estava preso atrás caindo-lhe pelas costas. Tinha um sorriso que não mostrava os dentes no rosto e Ryan não podia deixar de pensar que ela era uma verdadeira deusa.
- Está tudo do vosso agrado?
- Sim, obrigada - disse Violet.
- Ótimo. Quando acabarem de comer, espero-vos no pátio.
- Silver, preciso de - começou Ryan.
     Ela interrompeu-o.
- Já tratei de tudo, Ryan Bennett. Deixei roupas novas nos vossos quartos. Até já - disse e saiu.
- O que se passa? - perguntou Melody. Ela, como da última vez, nem pensou nas palavras que disse e quando deu conta da intromissão percebeu o erro que cometera. Melody estava à espera do olhar chateado do Ryan. No entanto, não foi isso que recebeu apesar do tom na voz dele soar ainda desconfortável com a curiosidade dela.
- Eu e a Catarina, principalmente, não podemos ficar.
- Porque não? - perguntaram as três raparigas.
- Por causa dos nossos pais. Eles já devem estar alarmados o suficiente de nenhum de nós estar em casa - disse Ryan, apontando para os melhores amigos.
- Podes teletransportá-los?
- Não sei. Não faço ideia como consegui por-nos aqui sequer.
- Precisamos de arranjar uma maneira então. Não posso causar mais aflições aos meus pais - admitiu ele.
- Nós vamos arranjar uma maneira. Só espero que a Silver não tente fazer-nos ficar demasiado tempo.
     Depois de comerem e antes de irem vestir-se, Violet ofereceu a Ryan uma sessão de Cura que lhe eliminou o corte das costas sem deixar rasto. Em seguida, cada um foi para o respectivo quarto e descobriram, enfim, as roupas oferecidas por Silver. Os rapazes tinham uma camisola, sem mangas nem botões, com colarinho mandarim, ornamentada por símbolos alusivos à água nas aberturas da camisola. As calças era pretas e ficavam entre o justas e o confortável. Os sapatos eram botas de cano que ia a meio da canela.
- Como estou? - Troy perguntou, a fazer uma pose.
- Parece que saímos dum filme medieval combinado com Game Of Thrones e cabedal - admitiu Ryan. - Será que as miúdas vão estar todas de vestido? Oh, elas vestidas à Margaery! - Troy lançou-lhe um olhar. - Excepto a Cat, claro.
- Pois, sim - sorriu-lhe.

     Quando eles se encontraram no pátio coberto, Ryan ficou aborrecido pelas raparigas estarem vestidas tão normalmente. Melody tinha uma camisola de mangas até ao cotovelo e uma saia. Violet tinha uma camisola do mesmo género, apenas diferenciava no tamanho mais curto da manga e no decote, e tinha calções de cintura alta. Ambas tinham botas calçadas. Catarina tinha uma camisola saída dum filme de piratas, ao ver de Ryan, e calças de cintura alta. Das três era a que mais se parecia com eles, se não fosse as botas de combate de cabedal falso.
- Porque é que vocês estão vestidos assim? - perguntou Violet.
- Foi a roupa que ela nos deu - Troy respondeu.
- Porque não temos roupas normais também? - Ryan resmungou.
- Eu até que gosto de ver esses braços de fora - comentou Catarina, a avaliar Troy.
- Concordo plenamente, Catarina - disse Silver, a entrar graciosamente pelo pátio. - Hoje quero explorar os teus poderes, Tema.
- Trata-me por Troy. O meu nome não é Tema. E, primeiro, Silver, quero falar contigo sobre teletransporte. Nós não podemos ficar aqui mais tempo.
- Tema, tem calma - disse-lhe. - Se eu disser que o tempo aqui é diferente, tu acreditarias? E se eu te dissesse que na Terra só passou quinze minutos desde que desapareceram?
- Eu diria para o provares.
- Gémeas, tentem contactar os vossos pais. Mais especificamente o vosso pai. Ele é a Estrela da vossa galáxia, logo partilham uma outra ligação sem ser de parentesco. Se vocês forem capazes, conseguirão ver pelos olhos dele o seu presente.
- Tudo bem. Queres tentar? - murmurou Melody. Violet assentiu.
     As gémeas deram aos mãos e fecharam os olhos. Violet apertou a mão da irmã e a primeira tentativa foi uma autêntico falhanço.
-  Não conseguimos.
- Tentem outra vez. Encontrem a ligação entre vocês e a vossa Estrela.
     Elas assentiram e tornaram a fechar os olhos. As gémeas ficaram muito quietas até tudo ficar negro debaixo das suas pálpebras e através do escuro encontraram uma faísca dourada que as levaram directamente para a mente do pai. Violet estava a ceder e Melody apertou-lhe a mão de modo a não se render. Não sentiam dores, mas estavam a perder força. Os olhos do pai mostraram o quarto dos pais e a mãe a andar em círculos. Pela luz, devia ser ainda horas de almoço. A mãe ainda vestia a roupa daquele dia e tinha uma ferida fresca no ombro de um ataque da criatura. O cabelo negro dela estava despenteado e os olhos vermelhos. As gémeas sentiram uma sensação estranha e como se o pai se tivesse apercebido, expulsando-as da sua mente. Elas abriram os olhos.
- Ela tem razão.
- Passou muito pouco tempo desde que teletransportá-mo-nos.
- Acreditas em mim agora, Tema?
- Troy. E, sim, acredito.


◄◊► 



     Melody, Ryan, Violet e Catarina sentaram-se num comprido banco de pedra e observaram o que Silver obrigava Troy a fazer. A Estrela começou por invocar os poderes que já conhecia: gelo e luz. Depois, quando finalmente passaram para o seu elemento principal - Ar -, foi uma complicação.
- Tema, basta concentrares-te - dizia Silver num tom manso.
- É Troy. E não consigo.
- Claro que consegues. Está em ti. Concentra-te.
     Troy colocou as palmas das mãos ao nível da cara e fechou os olhos. Concentrou-se em fazer apenas uma brisa leve, um sopro somente, e mesmo assim não conseguia. Apesar da força e concentração toda que aplicava, o Ar não se manifestava.
- Tema - começou Silver.
     Troy estava farto de ouvi-la a chamá-lo de Tema. Aquele não é, nem nunca será, o nome dele.
- Silver, o meu nome é Troy!
- Concentra-te - Silver colocou um olhar furioso que não combinava com a serenidade do seu rosto. - Respira fundo. Abre a mente, concentra-te. Deixa o teu elemento libertar-te.
     Pela milésima vez, ele lá tentou outra vez. Fez o que ela disse. Respirou fundo, fechou os olhos, concentrou-se na brisa que queria fazer. Sentia uma arrepio a percorrer os braços e como se tivesse levantado voo, sentia-se livre. Ele abriu os olhos e deu impulso para uma rajada de ar sair-lhe das mãos mas nada aconteceu. Nem uma brisa de verão ou um sopro. Apenas o riso de Ryan se ouvia. Troy lançou-lhe um olhar irritado. Como se não bastasse não conseguir manifestar o seu elemento ainda tinha de ouvir risos. Silver aproximou-se dele gentilmente e colocou as mãos de dedos finos nos ombros dele.
- Tema - sussurrou.
     E foi a gota de água. Troy virou-se bruscamente, completamente furioso. O nome dele não era Tema, raios. Qual era o problema dela?
- O meu nome é Troy  - disse e uma enorme rajada de vento saiu-lhe das mãos. Silver foi levada pela rajada até ao fundo do pátio mas aterrou como se nada tivesse acontecido. Ele conseguiu ver o sorriso triunfal dela. - Ar - Troy murmurou, satisfeito e sem fôlego. 


◄◊► 



     Na Via Láctea, o sistema solar virou um frenesim. A energia que Troy soltou ao teletransportar-se acordou a ira dos Planetas e não demorou muito até eles se reunirem todos. Júpiter convocou uma reunião no seu planeta e logo apareceram os restantes. A reunião decorreu-se na Estrela, numa sala escura onde as paredes refletiam as luzes do Universo. Havia uma mesa dourada e cadeiras de costas altas do mesmo tom. Eram a única coisa na sala.
     Saturno e Mercúrio foram os primeiros. Seguido de Terra e Neptuno.
     Cada um dos Planetas vinha com roupas formais, excepto Mercúrio que já não dava uso a tais códigos. Saturno não aprovava deste desleixo. 
- Vocês sentiram? - perguntava Jade, a Terra, num sotaque acentuado. 
- Quem não sentiu? Mas será mesmo ele? - perguntou Saturno. 
- É mesmo ele - assegurou Mercúrio. 
- Tens a certeza? Mercúrio... - começou Neptuno, com a voz calma. 
- Tenho, Neptuno. Eu sei da existência dele desde que morreu - disse. - A Lua uniu a alma da Vénus à do Tema e por isso, eles vão sempre encontrar-se. Se ele morre, ele renasce e reencontra mais uma vez a Vénus. E neste contexto, a Vénus é a minha bisneta. 
- A filha do Sol e da Lua - disse Saturno. 
- Sim - Mercúrio respondeu. 
- Então se é mesmo ele, quer dizer que já encontrou os seus poderes - observou Neptuno.
- Temos de fazer alguma coisa. Não vou deixar a Violet nas mãos daquele rapaz. 
- Vocês não vão fazer nada - disse Sol, a irradiar luz. A luz dissipou-se. - Ele está fora do nosso controlo, agora. 
- Vais deixar a tua filha nas mãos do principal inimigo da galáxia? - Jade chegou-se à frente. 
- Não vou - respondeu, irritado. 
- O que fazemos, Sol? - Neptuno aproximou-se dele. Os olhos dele eram tão azuis quanto o planeta. 
- Esperamos. O rapaz vai ter de voltar, mais cedo ou mais tarde. Levou dois humanos com ele e de certeza que não quer os pais da sua namorada e do seu melhor amigo preocupados. 
- Estás a confiar a nossa galáxia em miúdos? - inquiriu Júpiter, claramente chateado. 
- Estou. Confiem em mim. Eles vão aparecer, mais tarde ou mais cedo. Quando o fizeram, aí vemos o que fazemos. Tenho a vossa palavra? 
- Tens a minha - disse Neptuno. 
- Sim - afirmou Saturno. 
- Tens a minha palavra, Sol - disse-lhe Terra. 
- Mercúrio? Júpiter? - Os olhos de Mercúrio estavam a ficar cada vez mais vermelhos. 
- Tudo bem. Tens a minha palavra - cedeu Júpiter. Mercúrio respirou fundo. 
- Já vi que estou sozinho nisto. Não, não tens a minha palavra, Sol - e Mercúrio desapareceu. 
     Nesse momento, uma claridade roxa surgiu - Úrano. 
- Perdi a festa? 
- Mesmo a tempo, Úrano. Dás-me a tua palavra em como ficas quieto até Tema retornar? 
- Claro, meu amo - fez uma vénia. Colocou um sorriso trocista no rosto. - Onde está o raivoso? 
- Perdeste a festa - disse-lhe Neptuno. 

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