Underneath #47

      Ele pensou que com o impacto, o seu corpo desligaria. Mas não foi bem assim.
     Os três Planetas racharam e ao mero toque, houve uma tremenda explosão que os separou por completo de novo e empurrou-os para longe.

Troy tinha as vozes de Qaya, Silver e Noir a ecoarem na sua mente a implorarem-lhe que não continuasse com aquilo. Em adição, ele conseguia ouvir os gritos das pessoas em Qaya e a vida deles a desaparecer bem como as dos próprios Planetas e os seus respectivos satélites. Saeva tinha-o encurralado num círculo de névoa negra e quando voou até ele, o espírito voltou a corroer o seu corpo. 
     Troy não conseguia lutar tudo ao mesmo tempo. As vozes eram demasiado altas, o fogo demasiado quente e a Escuridão começava a tornar-se imparável. O brilho que saía da sua marca não parecia ser o suficiente. Os seus braços não conseguiam aguentar o peso da sua galáxia e Saeva fazia os possíveis para acabar a ligação entre a Estrela e os seus Planetas. O destino dos Alexander pairava sobre ele como uma nuvem preta, assombrando-o sobre o possível destino dos seus entes queridos se falhasse novamente. Então apareceu aquela luz branca, um ponto no espaço, pequeno e brilhante, de muito longe. Uma faísca de esperança sobressaltou-o e os sons tornaram-se mudos. As lembranças da luz branca voltaram, como se ela fosse a sua ajuda em momentos maus. Troy não tinha mais energias. Se continuasse, provavelmente iria morrer naquele espaço com os Planetas e Saeva. 
 - Vão-se embora... Por favor...
     A luz tornou-se cada vez maior até preencher a visão dele por completo. Troy sentiu a Escuridão desaparecer lentamente e apercebeu-se que era agora ou nunca. Ergueu os braços na horizontal com mais força e as vozes voltaram, mais altas e mais aguçadas. Os Planetas responderam ao seu movimento e eles voltaram a aproximarem-se. Saeva tentava encontrar uma maneira de entrar no círculo de Troy mas a luz branca era tão imensa e forte que nada a poderia ultrapassar. Os centros dos Planetas entraram em colapso. Os músculos de Troy ardiam. Agora, apenas as vozes de Qaya, Silver e Noir o assombravam. Gritavam como se estivessem a ser torturados e espancados. A voz de Silver penetrava na sua cabeça como facas. As suas mãos, com movimentos de abrir e fechar, puxavam para si os Planetas, sugando-lhes a vida. As luzes e as chamas e o frio que dançavam atrás das suas pálpebras diziam-lhe que não faltava muito. Gotas de suor desceram pela sua face, costas, braços, pernas... Troy colocou-se de joelhos, tentando continuar o que começara. Abriu os olhos por instantes e viu a luz branca a dissipar-se lentamente. O seu coração acelerou.
- Não... - disse com os dentes cerrados.
     Respirou fundo, fechou os olhos e continuou. Os gritos aumentaram atingindo o máximo e logo em seguida só houve silêncio. Preenchendo o silêncio, seguiram-se os gritos de Saeva. De olhos abertos, Troy deixou-se cair com as mãos no chão, de costas arqueadas. Mal conseguia respirar. A sua visão estava turva e não conseguia sentir as mãos ou os braços, ou o resto do corpo. Os destroços dos Planetas passavam-lhe ao lado, inaudíveis. A sua mão percorreu a marca que começou a brilhar de novo. Saeva contorcia-se em dor. A ligação entre eles estava a ser quebrada. Não via em lado algum os seus amigos mas ao levantar-se, em seu redor, encontrou três chamas de distintas cores. Uma azul-gelo, outra verde-azeitona e outra vermelha. Troy agarrou-as e nesse momento Saeva veio até ele com um grito a sair-lhe da garganta ao mesmo tempo que sentia o corpo a partir-se em mil bocados. Pelo canto do olho viu os seus amigos a dirigirem-se a ele e sem demoras ergueu uma rajada de ar que fez Saeva e o trio afastarem-se. Ainda assim, o monstro conseguiu cair com um joelho no chão com o rosto meio humano meio espírito. Já não sorria.
     Uma dor no coração de Troy fê-lo cair de novo. A cabeça latejava e as mãos tremiam de forma incontrolável. A sua garganta secou e os seus pulmões imploravam por oxigénio. As vozes dos Planetas deixaram lentamente de se ouvir. A sua marca brilhava com menos de metade da sua intensidade e nada pior poderia acontecer. Ele caiu de lado. Sentia os seus poderes a desaparecerem até apenas um ficar e vir ao seu auxílio enchendo-o de novo e Troy levantou-se lentamente. Saeva não passava de uma mancha preta no chão. O calor das chamas ajudou Troy a recuperar a sua vontade e força. Ele passou a mão pelo rosto suado e com forças inexplicáveis, Troy sobrevoou os Planetas em destruição e sem qualquer hesitação, reuniu o que restava dos seus poderes como Estrela Vital de Lymph. Começou a sugar o que restava da energia e vida da galáxia. Meteoritos começaram a explodir bem como estrelas. Todos os corpos celestes detonaram-se, uns mais rápido que outros. Troy Evans nunca presenciaram tanta agonia, mágoa e fraqueza na sua vida.
 - Troy! - ouviu Violet gritar.
     No coração da galáxia, houve um colapso tal que afastou Troy de onde estava. As vozes ficaram mudas, os seus olhos fecharam até finalmente perder a consciência por segundos. O seu corpo inerte ficou protegido pelo fino escudo que o protegia pelo seu nome de Estrela Vital. A ligação entre Saeva e Troy tinha sido então quebrada. Lymph estava a morrer.
     Após a explosão, Troy presenciou a morte do seu inimigo. Um círculo negro, maciço e forte sugou-o como se fosse apenas pó. Os destroços dos planetas desapareceram em menos de segundos, engolidos pelo buraco negro. O buraco tornou-se maior e continuou a expandir a sua força até chegar aos seus amigos. O seu cérebro nem processou o que o seu corpo fez. No segundo seguinte Troy tinha a mão de Violet na sua, Melody agarrada no seu braço segurando também a mão da irmã e Ryan teletransportou-os a todos o mais rápido que pode até Terra. Depois de sentir Violet nos braços, Troy deixou a sua mente desligar por completo, fosse por quanto tempo fosse e nem mesmo assim as vozes o deixaram em paz.


◄◊► 



     Três dias passaram e a casa de Jade tinha virado um ponto de encontro. Troy Evans tinha sido levado para lá de modo a receber os cuidados da personificação que, pelo que eles perceberam, só resultaram até a um certo ponto. Ele encontrava-se imóvel à três dias. Os pais não o largaram de vista, bem como os seus amigos. O que pensaram ser uma coisa do momento, tornou-se em algo preocupante que vinha a agravar-se a cada hora, minuto, segundo que passava sem alguma reação da ex-Estrela Vital. 
     Se não fosse pela mãe, Catarina tinha passado os três dias seguidos nos aposentos de Jade, assim como Ryan. Os pais de ambos estavam fartos das suas ausências e exigiram que regressassem a casa às horas por eles estipuladas. Em acrescento, Ryan tinha exames no final deste ano escolar com que se preocupar. Porém, só conseguia focar-se no melhor amigo imóvel, inconsciente e distante. 
     Violet fez companhia completa a Jade, ajudando-a nos seus afazeres quando Catarina tinha de se ir embora. Apesar de não querer desviar o olhar de Troy, pudesse ele despertar a qualquer momento, fez os possíveis para não ser um incómodo. Num dos dias, depois de ajudar no terraço com as plantas e verificar as feridas de Júpiter, ela adormeceu com a mão na de Troy, acordando extremamente cansada e embaraçada. 
     Melody era a mais confiante de todos. Ela tinha absoluta certeza de que Troy iria acordar em breve mas essa certeza não diminuía a sua preocupação. Não obstante, assim que Ryan precisava de se ir embora, Melody ia com ele para ajudá-lo com os estudos. 
- Como é que podes ser de alguma ajuda? És dois anos mais nova que eu e nem estamos na mesma área - disse-lhe Ryan, confuso. 
- E o que isso tem a ver? Lá por não estar na mesma área que tu, isso não quer dizer que não goste de ciências. Gosto de me manter informada - ripostou. - Dá-me dois dias.
     A partir desse dia, Melody passou a estar com o nariz enfiado nos livros, com uma caneca de chá ao lado. Vinha com a irmã para estar um pouco com Troy e depois retomava os estudos. Passado os dois dias, Ryan nem quis acreditar que ela tinha realmente aprendido as bases da matéria e que a partir dali conseguia resolver quase todos os exercícios do ano dele. 
     Já os Evans tinham a vida mais complicada. Não podiam fechar o bar na altura mais movimentada do ano mas o coração dizia-lhes para ficarem. Nesse contexto, Urano interveio. 
- Nós estamos livres - disse, gesticulando para ele e Mercúrio. - Já servi mesas num restaurante em França. 
- Queres dizer, numa taberna, na Inglaterra do século dezasseis? - replicou Mercúrio. 
     Urano encolheu os ombros tranquilamente: - Vai dar ao mesmo... - respondeu, fazendo vários gestos com as mãos. - Eles pagam-me, eu sirvo-lhes o que eles quiserem. Hoje em dia é tudo mais civilizado o que ajuda. Então, como ficamos? 
     Charlotte olhou para o marido à espera que os dois desatassem a rir e dissessem que aquilo era uma piada mas Urano, apesar de sorrir de orelha a orelha, estava a falar muito a sério. Passado alguns momentos, o casal decidiu ceder à ajuda na condição de que eles só faziam o que Steve lhes dissesse. 
- Vocês estão a falar a sério? - perguntou Mercúrio surpreendido. - Vão deixar este lunático a tomar conta do vosso bar? 
- Não. Eu vou com vocês e a Charlotte fica com o Troy - respondeu Steve. - E vai ser como eu disse, só fazem o que eu mando. 
     E assim, os três tornaram-se nos colegas de trabalho mais improváveis: Mercúrio carregava as mercadorias e arrumava-as, Steve cozinhava e Urano ficava de serviço no balcão. 
     Nesses três dias, Troy Evans não foi o único a receber atenção. Os Planetas e a Estrela do Sistema Solar foram à barreira que dividia a Via Láctea de Lymph à procura de algum sinal de vida. Nada encontraram. Sol não sentia a presença de Planetas ou satélites ou corpos celestes. A única força que os chamavam à atenção era o buraco negro formado durante a destruição da galáxia. Ninguém suspirou de alívio como Sol. Dois dias após a chegada de Troy, no que a Violet chamava, "ala hospitalar", Júpiter fez o seu primeiro movimento. O seu coração batia com mais afinco e as feridas já não sangravam tanto durante o dia. Sol conseguiu perceber que o Planeta estava a recuperar e já conseguia ouvir. Se este ritmo de recuperação continuasse, daquele dia a duas semanas, os seus olhos já deviam estar a abrir-se. 
     No final do quarto dia, várias luzes apareceram na casa de Jade. Violet tinha adormecido num cadeirão cinzento que colocara num canto do quarto de Troy e foi Catarina que a veio buscar. Ela ouviu bater à porta e despertou. 
- Entra. Olá, Catarina - disse, sorrindo subtilmente com os olhos ainda meio fechados. 
- Já está cá toda a gente, inclusive os teus pais. A Jade cozinhou a sua especialidade - sorriu. - Diz que é de comer e chorar por mais. 
- Acredito - sorriu, espreguiçando-se. - Com tantas coisas que ela cultiva, os seus cozinhados devem ser deliciosos. 
     Catarina voltou a sorrir e colocou os olhos no corpo imóvel de Troy. Já não tinha as mesmas roupas com que voltou, uma t-shirt sem mangas preta, calças de cor caqui e botas que deviam estar-lhe grandes. O peito estava nu, por baixo do lençol branco e as calças largas cinzentas eram visíveis no ângulo em que estava. Se não estivesse numa posição tão pouco natural, diria que Troy estava a dormir. Quem lhe dera que Troy estivesse a dormir pois assim saberia que um dia acordaria. 
- Ele ainda não se me...
- Não - disse Violet sem deixar Catarina acabar a pergunta. -  A Jade disse-me que quanto mais tempo ele ficar inconsciente pior, principalmente agora que já não é uma Estrela Vital. 
- Pois, imaginei que sim... - ela aproximou-se e agarrou na mão dele. 
     Violet levantou-se, colocando a manta em cima do cadeirão e endireitando o vestido. Ela estava a caminho da porta quando Catarina a chamou: - Violet? 
- Hum? 
- Obrigada por ficares ele. 
     Ela ficou sem reação durante uns segundos e acabou por sorrir. 
- Vens? 
- Sim - Catarina apertou a mão de Troy uma última vez e saiu atrás de Violet. 

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