Underneath: Epílogo

Um ano e dois meses depois 



É dia 10 de Setembro e Ryan Bennett completa os seus dezanove anos. Ele e Troy vão iniciar a faculdade bem como partilhar um apartamento juntos na cidade.


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- Violet! Despacha-te - exclamou Melody com a escova dos dentes na boca. 
- Não - resmungou ela. - Porque é que abriste as cortinas... Está tanta luz - queixou-se, puxando os lençóis para cima para tapar o rosto. 
     Ela sentiu um gato sair a correr da sua cama antes de voltar a adormecer. Aquela noite foi uma das melhores que tinha tido desde que Ian chegou - o seu novo irmão. Um bebé de olhos azuis, cabelo negro como a mãe e pele morena como o pai. (Ian assemelhou-se mais à mãe enquanto que as gémeas estavam mais parecidas com o pai à medida que o tempo passava.) Ele nasceu dia 18 de agosto, com quase quatro quilos. Ela e Melody estavam muito entusiasmadas por ter outro pequeno Brown. Apesar da mãe ter tido alguns problemas ao longo do caminho, Jade ajudou-a sempre, bem como elas e o pai, e no final correu tudo bem. Quando viram que o pai estava tão nervoso que tremia, no dia do parto, não resistiram em gravar para ao que chamaram de "recordações futuras". Agora, sempre que havia silêncio total na casa, Violet só pensava em dormir. Por isso é que, mais ou menos de propósito, adormecia na casa dos Evans. 
- Anda lá - disse a irmã pulando para cima dela na cama. - Temos de decorar as bolachas ainda. 
- Temos tempo... - murmurou ela, sem abrir os olhos. 
     Melody ignorou o que a irmã disse. 
- Já deste os parabéns ao Ryan?
- Obviamente... Fizeste questão de deixar as luzes todas ligadas até à meia-noite. 
- Não foi só por isso - advertiu ela, embaraçada. 
- Vi, Mel. O pequeno-almoço está na mesa - disse-lhes o pai à porta do quarto, muito baixinho.
- Cheira-me a panquecas... 
- Panquecas? - Violet levantou a cabeça com o estômago a falar mais alto.
     Passado uns minutos, as duas desceram para comerem. Noah, com um ano e pouco de idade, estava na sua cadeira a comer de um pratinho redondo. Tinha a cana do nariz e parte das bochechas repletas de sardas. O seu cabelo fino e ruivo estava todo despenteado pois deve ter acordado há pouco. Ainda tinha o pijama vestido, por baixo do babete. As duas foram dizer-lhe olá e foram completamente ignoradas. Os olhos negros do irmão estavam postos no pratinho com iogurte, bolacha e banana. Violet roubou-lhe um pedaço de banana e ele queixou-se imediatamente. 
- A mãe vai descer? 
- Sim, está só a alimentar o Ian - respondeu a Melody. 
- Foi a melhor noite até agora - comentou Violet. Espreguiçou-se e ocupou o seu lugar na mesa da cozinha. 
- Pois foi. Mas se vocês acham que ele chora muito, experimentem dois dele de uma vez. Nada se compara a vocês as duas - disse-lhes o pai, de costas para elas junto ao microondas. 
- Estávamos a preparar-te para este dia, pai - replicou Melody. 
- Estavam sim - riu e dirigiu-se para a mesa com uma caneca de café nas mãos. - Mas ele parece calminho. O problema vai ser habituá-lo a um horário para dormir. 
- Pensava que ias falar das fraldas - disse Violet enquanto colocava duas panquecas no prato. 
- Onde está o Mercúrio? 
- Foi dormir para a casa da Mondy. Só devemos vê-lo quando for hora de almoçar. 
- O que me lembra, Vi, temos de acordar o Troy para ele não chegar atrasado. 
- Ele não chega... - abanou a cabeça, enchendo as panquecas de xarope. - Espero eu. 


     Troy Evans estava a tentar desesperadamente ignorar o telemóvel que não parava de vibrar com mensagens. Era a quinta que recebia. Quando pensava que tinham parado de contacta-lo, voltou a cair no sono para ser acordado por outro vibrar. Rolou na cama e pegou no telemóvel: tinha cinco mensagens de Melody e uma de Violet. Abriu a desta última que dizia: Espero bem que estejas a caminho. 
     Então lembrou-se o que havia de tão urgente: o almoço para celebrar o aniversário do seu melhor amigo Ryan Bennett, e a ida para a faculdade. Se não tivesse ficado acordado até tarde a pensar que no final daquele dia estaria a caminho da cidade, talvez tivesse levantado à hora do costume. Mas não foi isso que aconteceu. A cabeça dele era um carrossel de dúvidas, medos, inseguranças e curiosidade. Estava tão nervoso que mesmo deitado, sentia as pernas e os braços bambos. O estômago começou a doer-lhe muito. 
     Levantou e arrastou-se para debaixo do chuveiro. Demorou dez minutos a tomar banho. Olhou para o seu reflexo no espelho que lhe mostrou os círculos negros, não muito fortes, debaixo dos olhos. Escovou os dentes e passou os dedos pelo cabelo molhado. Abriu a porta do armário e tirou de lá umas calças de ganga escuras, uma camisola fina azul e branca e calçou os ténis. Apesar de em setembro estar calor em Crystal Waters, as brisas frias do outono já ameaçavam aqueles que usavam t-shirt e calções. O verão estava a acabar. 
      Eve esperava-o deitada no início das escadas com um ar pedinte. Troy encheu-lhe a tigela com comida e água (ela devorou tudo num instante), comeu uma fatia de pão com manteiga e colocou-lhe a trela. Graças ao dom de Jade com animais, Eve era agora do tamanho de um são bernardo. Troy montou a bicicleta e com Eve foi para a casa dos Brown. Só se lembrou a meio do caminho que se tinha esquecido do presente para Ryan: a coleção completa da série que lhes deu o lema, com cenas exclusivas e visita aos bastidores bem como dois CDs com a banda sonora completa e posteres. Arranjar tal coleção demorou quase quatro meses porque para além da série ser antiga, os preços ou as condições em que vinha a coleção não eram os melhores. 
      Quando chegaram, Troy viu estacionado o carro dos pais e o dos Bennett junto aos passeios. Colocou a bicicleta junto à cerca, fechou o portão e tirou a trela do pescoço de Eve. O jardim das gémeas tinha um conjunto variado de brinquedos de borracha e por isso, Troy deixou-a estar na rua. Se se cansasse e ficasse com fome, podia sempre relaxar no alpendre onde ficava alguma ração e um cobertor confortável. A maior parte dos gatos das gémeas não tinha problemas com a cadela e Troy já os apanhou a dormirem sestas juntos. Finalmente, tocou à campainha. Violet apareceu.
- Estás atrasado. 
- Desculpa. Não preguei olho - disse-lhe. 
      Ele entrou e pousou o presente de Ryan na mesa ao lado da porta, agora fechada.
- Estás muito nervoso? 
- Tenho o estômago às voltas - respondeu, expirando. 
      Violet aproximou-se e as mãos agarraram a camisola dele. 
- Tenho a certeza que setenta por cento é fome - sorriu, levantando ligeiramente a cabeça. 
      Troy tinha, de facto, crescido os dez centímetros que Tema previu. 
- Provavelmente - ele assentiu.
     Os dois sorriram e beijaram-se. Eles podiam estar a namorar há quase três meses, mas Troy ainda não se tinha habituado aos lábios dela. Ele acabava sempre por sorrir durante ou no final. O sentimento que lhe percorria a pele era demasiado forte para se conseguir conter. Violet conseguia mostrar-lhe algo novo todos dias, sempre que se beijavam, abraçavam ou simplesmente quando estavam ao lado um do outro. Troy não se cansava de sentir as borboletas na barriga ou o fio dourado que os unia, agora mais forte que nunca.
     Quando o outono chegou, depois de fazer 17 anos, ele não conseguia dizer que já não tinha sentimentos pela Catarina. Sabia, porém, que os sentimentos por Violet só tinham aumentado. Aquele verão foi um dos melhores que ele teve precisamente porque passou a estar na vida de Violet de uma forma diferente. Com o passar dos meses, o que sentia por Catarina foi gradualmente passando, especialmente ao vê-la tão próxima de Júpiter, apesar de ele ter percebido que ela seria sempre especial para ele. Na passagem de ano, Troy decidiu que ia mostrar a Violet que os dois tinham uma base sólida para avançarem na sua relação. Ninguém conseguia negar a proximidade dos dois, nem mesmo ela. Troy continuava a reviver todos os momentos em que toda a gente julgava em que eles namoravam e sonhava com o dia em que pudesse dizer que sim... Tudo o que passaram com Saeva uniu-os de maneiras inesperadas e, dos quatro, os dois eram os que tinham mais pesadelos relacionados com a Escuridão.
     Todavia, quando Troy tentava dizer-lhe o que sentia, tentava agarrar-lhe a mão ou beijá-la, Violet erguia uma barreira enorme e respondia-lhe que os dois tinham concordado em ficar amigos por um tempo. Para ele, aquele tempo tinha passado mas a teimosia dela só se agravava. Antes do dia dos namorados, ele tentou várias vezes deixar algumas deixas para ver se ela percebia que poderia acontecer algo nesse dia. Quando o dia de São Valentim chegou, Troy perguntou-lhe se queria jantar com ele, ao que ela respondeu se a irmã podia ir com ela e logo a seguir quis acrescentar Ryan ao convite. (Mais tarde soube que ela estava a poupar para comprar-lhe uma prancha nova de presente para o seu décimo oitavo aniversário.) As tentativas dele estavam a ficar cada vez mais óbvias e até desesperadas. Até Catarina estava farta de vê-los naquele impasse. Por fim, no dia do último exame de final de ano de Violet, Troy explodiu. 
- Porque é que continuas a ignorar-me? Foi alguma coisa que eu disse ou fiz? 
- Não posso fazer isto agora - respondeu ela, com os olhos postos no livro, já esperando aquilo dele.
- Olha para mim. 
     Os olhos âmbar-azulados dela ficaram no manual. 
- Olha para mim, Violet - insistiu. Ela olhou. - Os teus sentimentos mudaram? 
- Não - respondeu logo, abanando subtilmente a cabeça. 
      Debaixo dos olhos usava círculos negros de noites longas a estudar. 
- Então? Fala comigo - colocou a mão na dela. 
      Ela sentia um aperto no estômago e um nó na garganta. 
- Troy, eu preciso de me concentrar... - afastou a mão e levantou-se. - Falamos depois. 
     Antes de ela conseguir pegar na alça da mochila, Troy levantou-se e agarrou-lhe o pulso. Ambos ficaram presos no olhar um do outro. A mão dele deixou de rodear-lhe o pulso e moveu-se suavemente até terem os dedos entrelaçados. Os corações um do outro batiam rapidamente mas nenhum chegou a pensar sobre isso no momento. Troy foi invadido por borboletas e teve um vislumbre de um fio dourado, tal e qual como na praia. Os dois ficaram mais próximos. Violet baixou o olhar, hesitante.
- Não consigo continuar assim - disse-lhe, envolvendo o rosto dela com as mãos e levantando-o levemente. - Tu sabes bem que eu quero estar contigo. Só contigo. 
- Sim - confirmou a fitar tais olhos azuis-esverdeados. 
- Eu não vou magoar...
     Violet sorriu, baixando de novo o olhar, por momentos, e Troy perdeu a frase que tinha em mente. Não conseguiu evitar sorrir também.
- O que foi? 
- Eu sei que não me vais magoar. Mas, Troy... Eu tenho medo de te magoar e... 
     Ele quis mostrar-lhe um sorriso convencido mas a hipótese de perder uma oportunidade como estas pesou-lhe na consciência. 
- Estarás a magoar-me se continuarmos assim. É isso que queres?
- Não - respondeu, abanou a cabeça nas mãos quentes dele. 
- Então descansa, Violet - murmurou, inclinando-se para ela. - Eu não vou desistir até responderes sim...
     Os seus olhos pousaram nos lábios dela. Estavam tão próximos que ele conseguia cheirar o perfume a morangos do batom que lhes dava um tom fraquinho de vermelho. Ele ficou a pensar como seria se ele simplesmente...
- Tu ainda não me perguntaste nada - disse ela em tom baixo. 
     Sem mais demoras, Troy provou os lábios de Violet e naquele momento, tudo à volta desapareceu. Os seus corações deixaram de bater freneticamente. As mãos de Violet agarravam a t-shirt dele e Troy quis parar o tempo ali. Nada se comparava àquele instante, nada se comparava ao que ele sentia. Era uma onda de luz fresca e branca, o calor de um fio dourado. Troy sorriu e dois meses depois, continuava a sorrir. 
     Ao ouvido, Troy perguntou-lhe se queria namorar com ele. Em resposta, ela deu-lhe o beijo que ele ainda volta atrás antes de dormir. A partir daí, os dois não se largaram e passaram outro verão repleto de lembranças. Um mês depois, Violet contou-lhe que tinha sido tão reservada porque ele era o seu primeiro namorado a sério. Troy ficou tão surpreendido que fez questão de investigar com Melody se era verdade e depois de confirmar, sentiu-se muito lisonjeado. Mas fez questão de brincar um pouco com a situação até Violet ameaçar esconder-lhe a prancha durante uma semana. 
     Urano surpreendeu-os ao abrir as portas da cozinha e tossir falsamente. 
- Pombinhos? - chamou. Troy fitou-o e Violet virou-se. - O almoço não começa sem vocês e se não estiver a comer daqui a dez minutos, vamos ter problemas - disse, com um sotaque britânico feroz. - Troy, cortaste o cabelo em baixo? - os seus olhos roxos examinaram o cabelo loiro dele quase seco. - Está giro - e fechou as portas. 
     Troy e Violet olharam um para o outro e fizeram o que Urano disse. Ao entrarem na cozinha, viram dois grandes grupos à mesa e outro junto ao balcão. Na mesa estavam Urano, Jade com Qaya, Catarina, Júpiter, e Mercúrio que vestia uma camisola vermelha com o seu símbolo. A brincarem entre a mesa e o balcão estavam Silver e Noah. Assim que eles viram Troy, começaram a chamá-lo, e depois, começaram a discutir pela sua atenção. 
     Os três bebés de Lymph estavam a crescer bem e Troy conseguia dizer que era próximo dos três apesar de ter uma melhor relação com Noah. Por ficar na casa dos Brown frequentemente, fosse a passar a tarde ou até em dormidas com Ryan e as gémeas, ele e o pequeno ruivo ficaram cúmplices. Ele nunca diria, mas como Tema e Noir foram grande amigos, talvez não fosse assim tão estranho. 
     Qaya crescia um pequeno tufo de cabelo escuro encaracolado e era de longe, a criança mais bochechuda e amigável. Já Silver era a bebé das birras que gostava de ter tudo muito à sua maneira, excetuando quando Jade estava em completo comando. Os seus olhos cinzentos faiscavam por baixo da franja loira platinada sempre que um dos irmãos recebia mais atenção que ela. 
     Neste último ano, especialmente depois de eles completarem um ano, Troy começou a desconfiar se eles não teriam realmente poderes. A essência deles era, de facto, feita a partir do seu elemento correspondente. Com Noah, ele reparou que as mãos do pequeno aqueciam rapidamente sempre que este sentia algo mais forte, como se tivesse um fogo a arder dentro dele. A personalidade de Silver era tão mutável quanto a água e Qaya parecia tão confortável na terra quanto Jade. Claro que eram só pensamentos, algo que Troy ainda não teve importância de dizer a alguém apesar de querer que os três não tivessem perdido a ligação com as suas raízes assim como ele não perdeu. 
     Luna e Jade repararam na agitação das crianças e Sol começou a pedir que fossem todos para o jardim onde iam almoçar. Antes de sair com toda a gente, ele deu um pequeno olá aos Brown, incluindo ao recém-nascido, Ian, que tinha o cabelo tão negro quanto o céu noturno. Apesar da conversa que circulava, ele dormia profundamente no calor do peito do pai. Também cumprimentou Catarina e deu um olá aos pais e aos Bennett por alto.
- Por momentos pensei que te ias baldar, Evans - admitiu Ryan, quando estavam a sentar-se na segunda mesa disposta. - Mas confesso que tive dificuldades em adormecer. A Melody fez questão de acordar-me com trezentas mensagens e quinhentas chamadas. 
- Vê lá se não chegaste a tempo - ripostou. - Se não fosse por mim ainda estarias a ressonar. 
- Que eu saiba, ainda sei usar um despertador - contrapôs. - Aliás, o que tu querias mesmo era ser a primeira a dar-me os parabéns. 
     Ryan colocou o seu sorriso charmoso e triunfante no rosto mas Melody não vacilou. 
- Para a próxima, faço questão de ser a última. 
- Não comecem - sussurrou Violet com um olhar ameaçador. 
     Os quatro partilhavam a mesa com Catarina, Júpiter, Jade, Qaya e Silver. Os pratos principais já estavam servidos nas mesas decoradas com um lindo arranjo floral e tudo cheirava divinamente. Começaram a servir-se e rapidamente o ar foi preenchido por conversa e risos. De vez em quando, ouvia-se um grito estridente de Silver. 
- Está tudo pronto no apartamento? - perguntou Violet.
- Penso que sim. Bennett? 
- Também. As nossas mães ficaram de decorá-lo. Só faltam as camas acho - respondeu. 
- Não iam ser beliches? - questionou Melody. - Tu mostraste-me aquela revista com camas, lembras-te? 
- Isso era perfeito. Não ocupam muito espaço - comentou Troy. 
- Mas e se as gémeas quiserem lá dormir? 
- Há sempre o chão - replicou ele, na brincadeira. 
     Melody lançou-lhe um lançar feroz mas conteve-se para não rir. Troy cortou um bocadinho de peru e mastigou. 
- Quer dizer, a Violet dorme comigo e a Melody contigo - reformulou, colocando os olhos no prato.
     Os dois ficaram paralisados e Melody corou até às orelhas. Ryan quase que se engasgou, nada à espera daquela fala. Pelo canto do olho, Troy viu Violet sorrir como se tentasse não rir dos dois. 
     O crescimento da relação entre Melody e Ryan era inevitavelmente visível ao ponto dos dois começarem a corar quando se fazem brincadeiras destas. Antigamente, no início, Ryan teria rido e feito graça do que Troy dissera, Melody teria ripostado e dali teria gerado uma discussão agressiva. Agora, as suas discussões eram meramente para provocarem ou para testarem a paciência um do outro em busca de algum riso no final. Agora, eles olham um para o outro a rirem-se das mesmas piadas, conversam sobre os seus gostos mais particulares que Violet ou Troy nem dão importância em perceber porque eles têm um ao outro. Algo que Troy nunca vai esquecer é o dia em que os apanhou a verem Sailor Moon e Spongebob, com baldes de pipocas, sumos e outras porcarias. Se Troy nem tivesse dito olá, ambos não teriam notado que ele estava lá. A partir daí, não houve Melody sem Ryan e vice-versa, fosse do seu agrado ou não. 
     Há umas semanas, quando Ryan e Troy receberam a carta de aceitação da faculdade, Melody começou a agir de forma estranha.  Não era nada grave mas os tiques que ela tinha eram até óbvios para Troy. Agia em stress ao ponto de desviar o assunto à descarada quando tinha o grupo reunido. Foi nessa altura que Violet contou a Troy o que pensava sobre aquilo, que os dois talvez estivessem a desenvolver sentimentos um pelo o outro. Troy tinha claramente notado o comportamento de Melody mas não tinha associado a nada do que Violet lhe tinha dito. Troy sabia que Melody ainda pensava em Axel. Às vezes via a camisola dele no canto da cama dela. Melody logo a arrumava com cuidado para não perder o cheiro do rapaz. Ao tomar mais atenção, percebeu que Ryan não estava tão inocente também. Troy perguntou-lhe, muito subtilmente e de forma mascarada, se ele gostava de alguém e depois especificou Melody. Ele disse que não, jurou a pés juntos. Melody fez o mesmo quando Violet lhe perguntou. Contudo, podia ser verdade. Eles podiam estar numa fase em que só sentem algo quente no estômago, um arrepiar na pele que rapidamente desaparece. Mas sentiam. E era nessa hipótese que Violet e Troy se agarravam, usando um crachá invisível de casamenteiros na esperança de conseguirem unir os seus melhores amigos, as personificações de Marte e Plutão. 
     Passado duas horas de estarem rodeados com os pratos principais, as sobremesas, o bolo de aniversário de Ryan e as perguntas sobre a faculdade foram servidas. Troy estava a tentar esquivar-se delas o máximo que conseguia, acabando por se encontrar a maior parte do tempo em redor da mesa com as sobremesas. 
      Todos estavam dispersados no jardim, usando as cadeiras ao seu gosto e ocupando os bancos delicados de jardim. Eve entretanto apareceu, com fome e muito sonolenta, apesar de ter dormido um pouco no alpendre. Os gatos Nyx e Apolo deitaram-se junto a ela quando Eve foi para a sombra da árvore. Apesar dos gritos estridentes que eram soltos pelas crianças, ela não se mexeu. 
- Então, Troy, fala-me da faculdade - sorriu Jade, tentando dar gelatina à Silver.
- Bem, não há muito a dizer... 
- Pensava que ias ficar pelo surf - comentou Mercúrio, que tinha Noah adormecido no peito. 
- Não. Decidi que é melhor manter o surf como algo privado. 
- E vais seguir o quê? - perguntou Urano, levantando a taça de vinho levemente. 
- Psicologia. 
     Terra e Urano abriram os olhos subtilmente, Mercúrio ficou a olhar para ele, perplexo. Depois Violet apareceu de fininho, apoiando as mãos nos ombros dele, com um sorriso na voz. 
- Tem tudo muito significado - disse ela. - Conta-lhes. 
     Troy respirou fundo e fitou os dedos entrelaçados. 
- Quero ir para psicologia para poder entender como funciona a mente. Por causa do Saeva percebi que eu não tinha força mental nenhuma apesar de achar o contrário e foi isso que me estava a puxar para baixo - encolheu os ombros, nervoso. - Quero ajudar as pessoas a ultrapassarem o seu próprio Saeva melhor do que eu - explicou.
- Fazes tu muito bem, Troy - motivou Jade, que já tinha desistido de dar gelatina à filha. - Estás contente com o teu curso? 
     Ele assentiu e Jade sorriu-lhe em retorno. 
- É o que importa. 
     Troy sorriu e pediu a Violet baixinho para se sentar ao lado dele. Momentos depois estavam a conversar em murmúrios, rindo baixinho um para o outro. 
- Se o Urano precisar de ultrapassar o alcoolismo, já sabemos a quem ir - comentou Mercúrio e encostou a cabeça na almofada que tinha colocado nas costas da cadeira, fechando os olhos. 
- Não tenho a certeza se... - começou Melody, mas foi interrompida. 
- Entre nós os dois, tu és o único que precisa de um psiquiatra com esse teu problema de raiva - replicou Urano, bebendo um gole do seu vinho tinto. 
- Não comecem - atirou Luna do outro lado do jardim, sem sequer estar a olhar para eles. 
- E tu, Ryan? 
- Gestão - respondeu ele, apoiando-se nas costas da cadeira.
- O teu pai tem uma empresa não é? Já tenho ideias para negócios... 
- Tem sim - respondeu Ryan a Urano, tentando ignorar a segunda frase. 
- Estou muito orgulhoso - disse Charles Bennett e colocou a sua mão grande no ombro do filho. 
     Ryan tinha herdado a altura do pai, já ultrapassando-o por quase dez centímetros, e os olhos azuis da mãe. O cabelo escuro veio dos dois, que, habituado pelo sol de Crystal Waters, ganhara um tom mais claro e a sua pele um tom mais escuro. 
     Blair Bennett chamou-os então para cantar os parabéns ao aniversariante. Rapidamente estava o grupo todo em torno do bolo de chocolate e nozes, cantando e batendo palmas alegremente.  Ninguém viu Ryan tão feliz, com um sorriso tão aberto e tolo como agora, batendo palmas e olhando para todos aqueles que gostava. Ele temeu que ele este dia nunca chegasse mas chegou e nunca esteve tão contente.
- Hoje é dia de festa, cantam as nossas almas para o menino Ryan... Uma salva de palmas! 
     O espaço foi preenchido de palmas e risos. Ryan soprou as duas velas com os números 1 e 9 e cortou a primeira fatia, a qual deu à mãe. Depois chegou a vez dos presentes. O grupo reuniu-se numa espécie de círculo, alguns de pé, outros sentados. (As crianças comeram bolo e foram dormir a sesta.) Ryan nem sonhou com o tanto mimo que recebeu. Violet foi a primeira e entregou-lhe um embrulho castanho com um fio grosso e um cartão pequenino com algo escrito por ela. 
- Eu não sabia bem o que te dar... Tudo gostas de tanta coisa - começou. - Mas passei por uma loja e deparei-me com isso - Ryan já tinha lido o cartão e tirado o fio do embrulho - e achei que era exatamente a tua cara. Espero que gostes - uniu as mãos e colocou-as junto à face, esperançosa e desejosa de ver a reação dele.
     Ao rasgar o embrulho castanho, Ryan encontrou uma cópia antiga do seu livro de fantasia e mistério favorito. Ao fitar os olhos âmbar da sua amiga, soube que havia algo mais sobre aquilo. Folheou as páginas até chegar a uma marcada por um autógrafo que dizia: Feliz Aniversário Ryan Bennett. A tua amiga Violet conseguiu persuadir-me em dar-te a minha cópia d'Uma Viagem. Sei que vais tratá-la com carinho e estimo. Tem um ótimo dia, Bastos de Carvalho. O queixo de Ryan não podia ter caído mais. 
- Como conseguiste isto? Eu... Violet! - ele mal conseguia falar. - Isto é tudo e mais alguma coisa! Obrigado, a sério - aproximou-se e os dois abraçaram-se. - Como... Meu deus, como conseguiste isto?! Eu vou guardar este livro num cofre. 
- Eu tenho uns truques na minha manga - sorriu. - A loja em que entrei é dirigida pela irmã do escritor e com muito charme, lá consegui encontrar-me com o escritor e ele cedeu uma das suas cópias com muito gosto. 
     Ryan levou o livro ao coração e fez uma expressão teatral. 
- Agora o meu presente vai parecer totalmente chato - disse Catarina. - O que conta é a intenção!
- Não vai nada. O Ryan vai adorar - descansou-lhe Troy. - Se lhe desses uma laranja ele adoraria.
- Pois, é verdade. Espero que sim - ela aproximou-se, e entregou uma caixa com desenhos em vários tons de azul e branco. - Achei que poderias precisar de uma lembrança de casa ao ir para a cidade - disse, a sorrir.
     Ele abriu a caixa, com os olhos azuis a brilharem. Lá dentro estava um álbum repleto de fotografias de quando ele, Troy e Catarina eram crianças até àquele momento no presente. O sorriso de Ryan a nada se comparava. 
- Obrigado, Cat. Eu adoro - beijou-lhe a bochecha e abraçou-a. 
- Eu tenho um presente a combinar! - exclamou Jade, interrompendo o abraço dos dois. - É só uma coisinha. 
     Jade entregou-lhe um saco colorido de cartão que continha quatro molduras e dois potes de vidro pequenos com chá. 
- A Melody contou-me o teu favorito. Coloquei o favorito da Melody porque o Troy já tem o pote dele - explicou, a sorrir. 
     A ideia de Melody ir ao apartamento dele para beber chá fez com que as suas bochechas ficassem de um tom muito subtil de vermelho. Ryan sorriu e agradeceu à personificação da Terra. Luna e Sol seguiram-se a ela e presentearam-no com o volume dois de um livro de culinária (tinham dado o volume um ao Troy) e uma camisola quente de capuz azul-acinzentada com o símbolo de Plutão. Mercúrio, pela vontade de Luna, entregou-lhe um cartão de parabéns e um vale para gastar numa loja. Os Evans e os Bennett juntaram-se e pagaram um carro de um modelo acessível e prático para Troy e Ryan usufruírem nesta nova etapa. Os pais dele entregaram-lhe um porta-chaves com a chave do carro e do apartamento. Ryan já sabia deste presente pois tinha ouvido os pais falarem enquanto iam para o quarto e no aniversário de Troy, os dois começaram a suspeitar de algo do género.
     Troy estava com alguma inveja. Tinha começado a estudar o código há alguns meses e o pai tinha-lhe dado algumas aulas mas, por alguma razão, conduzir não lhe estava a vir naturalmente. Ele completou os seus dezoito anos e queria muito ter a sua carta, nem que tivesse passado à terceira vez. Porém, o pai não o deixava gastar dinheiro sabendo que ele não estava preparado. O lado positivo da situação era que tinha um motorista para si, a não ser que este decidisse utilizar o teletransporte a toda a hora...
     Em seguida, foi a vez do seu melhor amigo entregar-lhe o presente. 
- Tive tanto trabalho a encontrar isto, Bennett - disse Troy, agarrando-se à caixa. - Não quero rebaixar ninguém, mas o meu presente é o melhor - e entregou-lho.
     Ryan começou a rasgar o embrulho.
- Claro que... Evans! 
     Os profundos olhos azuis de Ryan aumentaram ao ver a caixa de coleção da série preferida dos dois. O seu queixo voltou a cair, incrédulo ao trabalho que os seus amigos tiveram em dar-lhe os melhores presentes que alguma vez tinha recebido. 
- É a edição de colecionador. Vem com os DVDs todos, com cenas bónus e dos bastidores, dois CDs com a banda sonora completa e posters para cada temporada - declarou Troy, com muito entusiasmo e confiança. 
- Deves ter demorado séculos a encontrar isto. 
- Sim, mas valeu a pena, ou não? 
- Totalmente - os dois abraçaram-se. - Obrigado, Evans. - Afastaram-se. - A primeira coisa que vamos colocar na televisão é isto. Combinado? 
- Esta noite? - perguntou Violet, meio aborrecida. 
     Os quatro iam reunir-se de novo depois do jantar no apartamento.
- É a melhor série - disseram Troy e Ryan ao mesmo tempo. 
     Ambos lançaram-lhe um olhar assustador.
- Já não está cá quem falou - disse ela. - Anda comigo aos bolos - Violet agarrou na mão do namorado e arrastou-o para o outro canto do jardim. 
    Aproveitando o contexto, Melody aproximou-se de Ryan que estava na sua cadeira a ler o resumo da sua adorada série. Ele olhou para ela, expectante. 
- O meu presente é tão simples em comparação a todos - disse. - Não te comprei nada de novo.
- Sabes que não me importo com isso - respondeu ele, pousando a caixa de coleção em cima do saco no chão.
     Melody sentia-se confortável com ele sentado, conseguia olhá-lo directamente nos olhos. Quando estava ao lado dele, apesar de se sentir super protegida, tinha a pequena sensação de que para ele era uma criança de treze anos. Ele cresceu uns seis centímetros, estando quase a chegar à altura de Urano e Mercúrio. Talvez estivesse tão alto quanto Kade e claramente tinha ultrapassado o seu pai e Troy. E como se ele estivesse a ler os pensamentos, Ryan levantou-se, erguendo-se como uma torre sobre ela. A verdade era que ela não era assim tão baixa, quase chegava a um metro e setenta, porém, era a sensação que tinha. 
      O nervosismo começou a atacá-la.
- Lembras-te da passagem de ano? - ele assentiu. - Estava um frio de rachar, tu emprestaste-me o teu cachecol favorito e no final pensavas que o tinhas perdido. Bem, eu fiquei com ele... - ao ver o olhar confuso dele, avançou com a sua explicação -, não da forma como tu pensas! Eu estava a procurar o meu livro sobre aves de rapina para um trabalho e perdido perto da minha cómoda lá estava ele. - Melody entregou-lhe o embrulho. - Eu lavei-o por precaução. Esteve de parte durante alguns meses. Não te devolvi mais cedo porque não houve a oportunidade... e - continuou, levantando a voz, irritada - também porque não queria enfrentar o olhar que estás a fazer neste momento - os olhos azuis de Ryan brilhavam com malícia e Melody tinha o rosto ruborizado. 
     Ryan sorriu, rasgou o embrulho e logo sentiu o perfume doce de Melody entrar pelas suas narinas. Ele tinha-se habituado àquele cheiro, fosse por conviver com ela todos os dias, fosse por dormir com uma almofada dela nas noites em que ficavam na casa dos Brown. Aquele cheiro não era nada mais do que uma ligação directa a casa, a todos as coisas que aconteceram após Saeva ter sido derrotado. Aquele cheiro mostrava o grande caminho que ele e Melody percorreram para conseguirem afirmar serem amigos depois do drama no início. Sem pensar duas vezes, ele colocou o cachecol de padrão xadrez preto e branco à volta do pescoço. O tecido macio e quente começou logo a fazer o seu trabalho, aquecendo o seu pescoço. 
- O que te fez mudar de ideias? - Melody abriu os olhos, sem perceber a pergunta. - Disseste que não havia oportunidade e que não querias enfrentar-me. O que te fez mudar de ideias? - reformulou. 
     Ela voltou a corar, a sua cabeça paralisou e ela baixou o olhar. Melody não tinha uma resposta. Vasculhou em todos os cantos da sua cabeça e não tinha uma resposta. Talvez conseguisse arranjar uma se o coração não batesse tão freneticamente. O som era tão alto que abafava qualquer pensamento, exceto aquele que aparecia sempre quando a sua barriga parecia estar repleta de borboletas. Porquê? Ele é só meu amigo. Só meu amigo. Mas não era. Ela podia não conseguir admiti-lo, mas Ryan nunca foi só seu amigo. 
- Eu quero que o tenhas - conseguiu pronunciar.
- Porquê? - insistiu, com os olhos azuis intensos postos nela, brilhando na luz que incidia sobre ele como se tivesse acabado de sair de um catálogo de roupa. 
     Melody detestava quando ele parecia ter saído de uma revista. Desviar o olhar tornava-se ainda mais difícil. Ela começou a sentir algo quente e familiar nas suas costas e quando fez o raciocínio, uma foz forte falou:
- Está tudo bem? 
- Tudo ótimo! - respondeu ela ao pai num ápice, saltando subtilmente com o susto.
     A representação de Marte, antes de virar as costas, conseguiu notar o rosto corado de Ryan e logo caminhou apressadamente para perto da irmã, agarrando e apertando a mão dela para extrair quaisquer outros sentimentos. 
- O que aconteceu? Está tudo bem? 
- Está tudo ótimo! 
- Deste o teu presente ao Ryan? - ela olhou na direção dele e viu-o a conversar com o pai. Reparou logo no cachecol. - Oh, é o cachecol que fica sempre...
- Não é! 
- Mas...
- Não é! 
     Melody largou a mão da irmã e foi acariciar furiosamente os gatos que fugiram logo a seguir. Alguns segundos depois, ela finalmente respirou fundo e acalmou o ritmo do seu coração. O seu rosto, no entanto, continuava tingido de vermelho, mas ela já não se importava quando Ryan não estava a olhar para ela. Se ele não visse, nada estava a acontecer. O que ela não sabia, era que ele olhava, nem que fosse por um segundo, um instante apenas. Mas ele olhava para ela.


◄◊►



     O céu começou a tingir-se de um laranja forte acompanhado de um belo amarelo. Os Bennett foram buscar o carro vermelho para os dois rapazes e estava agora estacionado no passeio junto ao portão da casa dos Brown. Com o final da tarde, chegou a hora das despedidas. 
- Quanto tempo é a viagem?- perguntou-lhe Violet. 
- Uma hora e meia, duas se houver transito - respondeu.
      As mãos dela estavam a agarrar o casaco de ganga de Troy. Violet assentiu em resposta e foi nesse momento que ele a viu nervosa pela primeira vez. 
- Hey, então? Eu estou a um teletransporte de distância - as suas mãos envolviam o rosto dela. 
- Eu sei - assentiu nas mãos quentes dele. - Não estou preocupada. 
- Ainda bem - sorriu e beijou-lhe a testa. Olhou de relance para cima e viu a sua mãe num estado lastimoso. - Vou ter com a minha mãe antes que ela abra a torneira. 
- Vai lá. 
     Troy acariciou a bochecha dela e depois foi ter com os seus pais. Pelo canto do olho viu Ryan envolvido num abraço apertado com a mãe. Ele parecia estar a sufocar mas sorria. 
- Mãe, tudo bem? - perguntou, fitando os olhos castanhos dela. 
- Claro, Troy, claro - respondeu e colocou os braços à volta do filho.
- Estou tão orgulhosa de ti - disse ela, com a voz trémula. - Sabes que te amo muito, não sabes? Não te atrevas a passar um dia sem me dar notícias...  Estás tão crescido, não posso acreditar que este dia chegou... Chama-me sempre que precisares de alguma coisa, eu e o teu pai estamos sempre disponíveis...
- Eu sei mãe, eu sei - assegurou-lhe, apertando-a com força. - Eu também te amo muito. 
     Ele e o pai estavam a sorrir entre si por causa da emotividade da mãe. Charlotte não chorava nem sorria, estava num termo intermédio que dava alguma graça de ver e ouvir. Momentos depois, Troy estava nos braços do pai. 
- Liga-nos assim que chegares, sim? - disse-lhe ele. 
- Sim, não te preocupes. 
- Estou muito orgulhoso de ti, Troy. Acho que nunca to disse o suficiente. 
     Troy demorou a digerir as palavras, surpreendido pelo que ele disse. 
- Obrigado, pai - ele sorriu e aproveitou cada segundo do abraço com o seu pai. 
     Ambos afastaram-se e por momentos pensou ver um brilho distinto de lágrimas nos olhos esverdeados que ele herdou. Sorriu e abanou certos sentimentos para fora. 
- Não te preocupes, Troyzinho, porque eu e o Mercúrio vamos tratar bem dos teus pais - disse Urano, colocando o cotovelo no ombro do seu pai. - Não fiques muito chateado se eles passarem o bar para nós e não para ti - sorriu. 
- É preciso voltar às antigas maneiras, rapazes?
     Charlotte olhou para o marido, pronta para acabar com uma luta que nunca iria acontecer. Mercúrio sorria de fininho, com os olhos cor de sangue a brilharem em direção ao cúmplice, Urano.
- Por amor de Deus... - começou ela.
      Antes de Troy conseguir dizer alguma coisa, Luna e Sol roubaram-lhe a atenção. Noah estava no colo de Luna e chamava por ele. 
- Toy, Toy!
- Olá, pequeno - sorriu e deu-lhe um dedo para ele agarrar. - Onde está o outro ainda mais pequeno?
- A dormir no carrinho - respondeu Sol. 
- Graças a Deus - comentou Luna. - Mas não é pior que as gémeas. Isso ninguém é. 
- Imagino - Troy riu-se. 
- Bem - começou Sol e estendeu os braços para um abraço. - Faz uma boa viagem, Troy. Não te esqueças de visitar. Até te ajudava nisso de guiar mas quem faz a condução aqui é a Luna. Eu cozinho, ela conduz. Teletransporte é muito mais fácil. 
- Pois, mas isso só ficou decido passado seis anos de estarmos juntos - disse ela. 
     Sol e Troy separaram-se. 
- Já vamos em vinte. Acho que resultou muito bem. 
- Sim, querido - ela revirou os olhos e sorriu. 
     Luna e Troy abraçaram-se com cuidado para não apertarem Noah e trocaram dois beijinhos. Ao ouvido, ela disse-lhe:
- Eu vou deixar umas sobras de sobremesa para as gémeas levarem logo à noite, está bem? 
     Troy corou. Não era propriamente um segredo que eles iriam encontrar-se, eles fazem-no a toda a hora, mas não esperava que Luna lhe dissesse aquilo. Ela colocou o dedos nos lábios pedindo silêncio para Sol não perceber. Em seguida piscou-lhe o olho. 
- Vamos, Sol. Espero que começas bem o novo ano escolar, Troy - desejou e afastou-se. 
      O seu olhar encontrou o de Catarina que estava visivelmente ansiosa por ter o seu momento com ele. Troy também queria muito falar com ela, mas Júpiter ao lado dela parecia um guarda-costas muito maldisposto. Fez o seu caminho até eles e fitou os olhos azul-bebé dele. 
- Júpiter. 
- Troy. 
- Tudo bem? - perguntou, estendendo a mão.
- Sim - respondeu ele secamente. 
      Catarina deu-lhe uma cotovelada no braço grande e musculado e sorriu para Troy. 
- E contigo? - acrescentou. 
      A relação entre ele e Catarina era algo que Troy ainda haveria de descortinar. Os dois davam-se claramente muito bem e tinham uma grande proximidade. Desde que Júpiter recuperou totalmente no final do verão passado que ele visita-a. Troy, na altura, era completamente esmagado por ciúmes mas acabou por se habituar a vê-los juntos. Nunca na vida viu Júpiter tratar mal Catarina (tirando aquele momento em que ele quase a sufocava mas, tecnicamente, ele nunca viu) e isso descansava-o de alguma forma. Da mesma forma que ele se tinha aproximado das gémeas, Catarina tinha-se aproximado do Planeta. De vez em quando, Troy via Júpiter sorrir para Catarina enquanto esta olhava ferozmente para algo, alguém ou ele mesmo. Era um olhar de cúmplice, que poucos partilhavam com ela. Juntamente com Jade, eles formavam um trio misterioso e intimo. 
      Troy respirou fundo.
- Também. 
- Vais finalmente sair da terrinha, hum? - questionou Catarina.
- Pois é - respondeu Troy a ela. 
      Catarina envolveu os braços quentes à volta do pescoço dele sem avisar, mas Troy já estava habituado àqueles abraços. Ele abraçou o corpo dela, cheirando o familiar aroma do seu champô. 
- Vou ter ainda mais saudades tuas - disse ela. 
- Eu vou estar de volta sempre que puder - assegurou-lhe. - Não vou conseguir ficar longe da nossa praia. 
- Eu sei. Espero bem que eu seja a primeira a ser avisada quando colocares os pés em Crystal Waters.
- Prometo que sim - Troy afastou-se. Beijou-lhe a bochecha e sorriu. - Vou ter ainda mais saudades tuas também, Cat. 
- Já acabaram? - disse Júpiter, na sua voz grossa. 
      Catarina revirou os olhos e largou Troy. 
- Não lhe ligues. É mais chato que o Marshall. 
- Não ligo - ele piscou-lhe o olho. 
      Troy olhou em redor e viu Melody e Ryan juntos. Estavam um pouco afastados de toda a gente. Antes de conseguir chamar Violet, Jade apareceu e começou a falar com ele. As crianças começaram a circular à sua volta roubando-lhe completamente a atenção. Ele rapidamente desistiu e deixou-os ter um momento em que ninguém reparava neles. 
- Tem cuidado com a mudança de temperatura, a cidade é muito mais fria. Não te esqueças do desinfectante! Esqueces-te sempre disso... - pousou o indicador pensativamente na bochecha. - Bebe aquele sumo de laranja que eu...
- Melody, hey - ele estalou os dedos à frente dos seus olhos. Ela detestava aquele hábito mas acordava-a sempre, sem falha. - Eu sei isso tudo. Já me deste o mesmo discurso quatro vezes esta semana - notou ele.
- Tu és esquecido. Estava só a certificar-me que não te escapava nada.
     Ryan tinha um sorriso meigo no rosto e os seus olhos não largaram os dela. Quando Melody acabou de falar, ele lançou-se sobre ela, num abraço inesperado e quente. Ela corou instantaneamente e não se mexeu. 
- Vou ter saudades - a sua respiração fez-lhe cócegas no ouvido. - E não tenho problemas em partilhares a cama comigo - murmurou.
     Ele afastou-se depressa e quando tornou a encará-la, foi a sua vez de corar ainda que ligeiramente. Ele recompôs-se rapidamente e deixou o batimento acelerado do seu coração assolar-lhe os pensamentos. Os olhos âmbar de Melody fitaram o chão e depois Ryan. Como se estivessem em câmara lenta, Melody fez o curto caminhou até ele, envolvendo os braços à volta do seu torso. Subitamente, o coração de Ryan acalmou e este foi preenchido por algo quente. Sempre que a sentia perto de si, algo o aquecia. Talvez fosse por ser filha do Sol ou talvez fosse algo diferente, novo.
     Ryan colocou os braços à volta dela e instantaneamente, beijou-lhe o cimo da cabeça. Não era um hábito comum, mas também não raro. O sorriso matreiro tornou-se gentil. 
- Também vou ter saudades - murmurou ela. 
     Os seus corpos separaram-se o suficiente para conseguirem falar face a face e Melody manteve os seus braços à volta dele. Ryan não se conteve ao ver uma mecha da franja a sair do penteado, tapando-lhe um dos olhos, e afastou-lhe do rosto. 
- Quem nos viu e quem nos vê, hum? 
      Melody sorriu, revirou os olhos e afastou-se, cruzando os braços.
- Estragas sempre tudo, Bennett - disse ela. 
- Então! - ele pousou o dedo indicador nos lábios dela.
     Melody riu-se. Algo que ela podia fazer que o irritava era usar o seu último nome, como Troy faz com ele, quando os dois tinham prometido esquecer tal tratamento. 
- Bennett! Demoras? - perguntou Troy, mais ao fundo.
- Vens? - apontou para trás com o polegar. 
- Vou sim - respondeu, andando mais depressa que ele, como sempre. Ela pensava que se ficasse atrás de alguém enquanto caminha acabaria por pisar no sapato da pessoa e ela cairia no chão. Ou então simplesmente irritava-se com a lentidão do outro. 
     As pessoas que ainda não tinham falado com Ryan utilizaram o tempo restante para o fazerem. Catarina deu-lhe um abraço apertado e ele retribuiu-lhe com um grande beijo na bochecha. Surpreendentemente, Júpiter não fez nenhuma careta. Abraçou ambos os Brown e Jade, e deu um aperto de mão a Urano e Mercúrio. Depois, ele e Troy enfiaram-se no carro. Violet foi à janela dar um último beijo ao namorado e segundos depois, estava o grupo todo a acenar adeus. 
- Preparado, Evans? - perguntou Ryan, endireitando o espelho com uma prancha e uma flor aromática pendurados. 
- Deixa-me só ligar a rádio... - respondeu, com medo que as suas mãos tremessem de forma incontrolável. Não o fizeram. - Pronto. Estou preparado. 
      Ryan riu-se apesar de estar tão ou mais nervoso quanto o melhor amigo. 
     Quando Troy reparou que eles não estavam a ir pelo caminho certo, já estavam a ir por caminhos que por poucos eram conhecidos. No entanto, ele sabia muito bem para onde dava este caminho. Ryan estacionou o carro vermelho num local escondido e fitou o seu melhor amigo. 
- Anda, Evans - e saiu do carro. - Ainda temos algum tempo - a voz dele já soava longe. 
      Troy saiu do carro, correndo para acompanhar Ryan e os dois afastaram os arbustos que escondiam um pequeno planalto cercado, uma porção de terra suficiente para caber no máximo sete pessoas e não muito alto, que dava para observar a praia. Aquele era o canto de Crystal Waters marcado como território do quarteto. Por alguma razão, aquele lugar tinha sido esquecido e completamente camuflado por causa das plantas que cresciam. Melody, no entanto, usou um pouco da sua magia, certificando-se que por todos os caminhos possíveis, o planalto se mantivesse invisível e secreto. 
      Segundos depois de eles estenderem as toalhas azul e laranja, as gémeas apareceram. A primeira coisa que ouviram foi a voz de Melody que ao ver Ryan começou a apertar a mão da irmã muito fortemente. 
- Podias ter-me avisado! - murmurou. 
- Esqueci-me - Violet encolheu os ombros descontraidamente. 
- O que estamos a fazer aqui, mesmo? - perguntou Troy. 
- Vamos ver o pôr do sol, Evans - respondeu Ryan, sentando numa ponta. 
- O último pôr do sol do nosso verão - acrescentou Violet. 
      O casal sentou-se nas toalhas e Melody ficou relutante, de pé, durante uns instantes. Ela pensava que não teria de encarar Ryan depois daquele abraço até à noite, quando ela esperava já estar tudo esquecido e puxado para debaixo do tapete. Porém, ela não queria que Ryan se esquecesse do tal abraço que ela tão voluntariamente deu como ele se esquecia de beber água durante o dia. Portanto, ela sentou-se entre ele e a irmã, ligeiramente mais próxima dele. Antes que se apercebesse, tinha o cachecol de Ryan à sua volta e viu os lábios dele dizerem, sem qualquer som: Está frio! Depois o seu rosto virou-se para o pôr do sol, inundando os olhos azuis com um bonito tom de laranja. 
     Conforme o sol foi-se pondo, a temperatura começou a diminuir o suficiente para as gémeas começarem a bater os dentes e quando eles deram por isso, estavam os quatro abraçados uns aos outros a espreitarem o fraco brilho estrelado do céu. Eles ficaram assim até o céu escurecer por completo e Violet encher o espaço de luzes minúsculas como pirilampos: juntos. 
     Para sempre e eternamente, juntos. 




Fim, por agora.

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